Bruxelas – Ao menos 130.363 crianças e adolescentes brasileiros de até 17 anos ficaram órfãos por causa da covid-19 entre março do ano passado e o fim de abril deste ano. “É uma pandemia oculta”, dizem os autores da estimativa, publicada na terça (20) na revista científica Lancet. “Essas crianças não identificadas são a consequência trágica esquecida dos milhões de mortos na pandemia”.
O número de menores brasileiros que ficaram órfãos multiplica por 180 os cerca de 1.200 óbitos na faixa etária até 19 anos desde o começo da pandemia, segundo o boletim mais recente do Ministério da Saúde.
Colocado em proporção, ele corresponde a uma taxa de 2,4 órfãos para cada mil brasileiros menores de idade, a quarta maior entre 21 países incluídos no estudo. O Peru tem a situação mais grave, com 10,2 órfãos para cada mil menores.
Em termos absolutos, o número do Brasil só não é pior que o do México, que registra pouco mais de 141 mil órfãos, ou 3,5 por mil. Embora o Instituto Nacional dos Direitos das Criança e do Adolescente afirme que contabilizar os órfãos brasileiros é viável por meio das certidões de óbito, não há estatística oficial no País até agora.
“Crianças que perderam pais ou responsáveis na pandemia precisam de apoio governamental urgente ou enfrentarão danos de longo prazo”, afirmou Seth Flaxman, pesquisador do departamento de matemática do Imperial College de Londres e de ciência da computação da Universidade de Oxford, no Reino Unido e um dos 16 autores do trabalho.
No mundo
Coordenado por Susan Willis, do CDC (centro de controle de doenças dos EUA), o estudo já revisado por pares fornece as primeiras estimativas globais de orfandade causada pela pandemia de covid-19.
Os cientistas calcularam mais de 862 mil crianças órfãs em 21 países, nos quais ocorreram cerca de 77% das mortes globais por covid-19 até 30 de abril de 2021. Também estimaram que, em termos globais, mais de 1 milhão de menores perderam um dos pais ou seu principal cuidador, principalmente os avós.
A pesquisa inclui a família de forma ampla, porque 38% das crianças do mundo vivem na mesma casa que os avós, porcentagem que chega a 50% na Ásia-Pacífico. Mais vulneráveis à covid-19, são esses idosos que costumam dar apoio prático, financeiro ou emocional para seus netos. “No Brasil, 70% das crianças recebem esse apoio financeiro; ainda assim, o Brasil ocupa o segundo lugar mundial em mortes por covid-19, reduzindo as opções de cuidados por parentes”, alerta a pesquisa.
Nos EUA, 40% dos avós que vivem com os netos são os principais cuidadores, e no Reino Unido, 40% dos avós cuidam regularmente dos netos.
Considerando crianças que perderam algum parente responsável por sua criação, mesmo que não o principal, os números sobem para mais de 1,2 milhão nos 21 países analisados e mais de 1,5 milhão na estimativa global.
“Evidências de epidemias anteriores mostram que respostas ineficazes a essas mortes, mesmo quando há um pai ou cuidador sobrevivente, podem levar a resultados psicossociais, neurocognitivos, socioeconômicos e biomédicos deletérios para as crianças”, afirma o estudo.