
Brasil - Enquanto o Governo Federal anuncia recordes frequentes de arrecadação, a realidade nas prefeituras brasileiras caminha no sentido oposto. Falta dinheiro até para despesas básicas do dia a dia. Material de escritório, produtos de limpeza e até o café servido aos servidores estão sob ameaça em milhares de cidades. É o que revela a mais recente pesquisa da CNM (Confederação Nacional de Municípios), que aponta um quadro preocupante de desequilíbrio fiscal no nível local.
O Brasil conta atualmente com 5.568 municípios, dos quais 4.172 gestores responderam ao levantamento. Entre eles, 1.202 prefeitos (28,8%) afirmam estar com pagamentos em atraso a fornecedores, enquanto 2.858 municípios (68,5%) conseguiram manter os compromissos em dia. Outros 112 gestores (2,7%) não responderam ao questionamento. Na prática, quase um terço das prefeituras já enfrenta dificuldades para honrar contratos básicos, comprometendo a prestação de serviços públicos.
RECEITA CONCENTRADA
Para o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, o problema não está na gestão local, mas na concentração de receitas na União, ao mesmo tempo em que novas responsabilidades continuam sendo repassadas aos municípios sem a correspondente compensação financeira. “Nós pulamos de 5 milhões para 8,3 milhões de servidores públicos no país. Isso elevou drasticamente os gastos previdenciários e salariais, que têm limites legais. Estamos nos aproximando de um momento crítico. Nunca vi uma situação tão grave quanto a atual”, alerta.
O cenário se agrava quando se observa que, apesar do crescimento da arrecadação federal — impulsionada por impostos, contribuições e medidas de recomposição fiscal —, os repasses aos municípios não acompanham esse ritmo. Com isso, as prefeituras passam a absorver custos crescentes sem base financeira sólida, aprofundando o endividamento e reduzindo a capacidade de investimento.
1,2 PREFEITURAS
Essa fragilidade se reflete em outro dado alarmante da pesquisa: 1.293 municípios (31%) afirmam que terão de empurrar despesas de 2025 para 2026 sem fonte de recurso garantida, os chamados restos a pagar. Em contrapartida, 2.623 cidades (62,9%) informaram que não deixarão dívidas sem cobertura orçamentária, enquanto 256 (6,1%) não responderam.
Déficit estrutural
Para o economista Samuel Dourado, o quadro é consequência de um problema estrutural antigo. “A maior parte da arrecadação fica com a União, e a Constituição tenta corrigir isso por meio de mecanismos como o FPM (Fundo de Participação dos Municípios). O problema é que as obrigações cresceram muito mais rápido do que as receitas”, explica.
Segundo o especialista, políticas públicas de alcance nacional acabam recaindo diretamente sobre os cofres locais. Medidas como o piso salarial da enfermagem, o programa Mais Médicos e a ampliação das escolas em tempo integral elevaram significativamente os gastos das prefeituras. Agora, a proposta de aposentadoria integral para agentes comunitários de saúde e de combate às endemias, já aprovada no Senado, acende um novo sinal de alerta. O impacto estimado é de R$ 70 bilhões, valor considerado insustentável sem aporte federal.
“Se os municípios assumem cada vez mais responsabilidades sem receita suficiente, isso gera pressão orçamentária permanente e inviabiliza uma saúde fiscal adequada”, resume Dourado.
13º garantido com FPM ‘extra’
Apesar das dificuldades, a maioria das prefeituras conseguiu garantir o pagamento do 13º salário dos servidores. De acordo com a pesquisa, 98% dos municípios estão com a folha salarial em dia, incluindo salários de dezembro e benefícios.
Para 94,7% dos gestores, o adicional de 1% do FPM repassado em dezembro foi decisivo para viabilizar o pagamento do 13º. Apenas 3,8% afirmaram que o recurso não teve impacto significativo. O dado reforça a dependência das administrações locais em relação às transferências federais e evidencia que, sem esses repasses extras, a situação fiscal poderia ser ainda mais crítica.
União arrecadou R$ 226,7 bi
A arrecadação da União com impostos e outras receitas teve recorde para o mês de novembro, alcançando R$ 226,75 bilhões, segundo dados da Receita Federal. Em comparação com novembro de 2024, o resultado representa aumento real de 3,75%, ou seja, considerada a inflação, em valores corrigidos pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo).
Também é o melhor desempenho arrecadatório para o acumulado de janeiro a novembro. No período, a arrecadação alcançou R$ 2,59 trilhões, representando um acréscimo, corrigido pelo IPCA, de 3,25%. Os valores se referem a tributos federais, como Imposto de Renda (IR) de pessoas físicas e empresas, receita previdenciária, Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), Programa de Integração Social/Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (PIS/Cofins), entre outros. Arrecadação com royalties e depósitos judiciais, que não são apurados pela Receita Federal, também entram na conta.