Policial

Manifestantes apelam em favor do contrabando: meio de sobrevivência

Brasileiros e paraguaios se unem e ameaçam fechar a Ponte Ayrton Senna contra a repressão

Protesto do último sábado contou com poucos adeptos e não houve fechamento da ponte - Foto: Divulgação
Protesto do último sábado contou com poucos adeptos e não houve fechamento da ponte - Foto: Divulgação

Reportagem: Juliet Manfrin

Guaíra – As forças de segurança se preparam para intensificar a fiscalização na fronteira do Brasil com o Paraguai, por via área, terrestre e principalmente fluvial, por onde entra a maior parte dos cigarros contrabandeados que abastecem o segmento brasileiro, além de armas, drogas e munições que dão vazão às facções criminosas. Segundo autoridades ligadas ao setor de inteligência, isso deverá ocorrer diante de uma tentativa de mobilização que vinha sendo articulada por pessoas ligadas ao contrabando e ao descaminho na região de Guaíra, onde uma operação se estende por pelo menos dois meses e deverá ser reforçada já nos próximos dias.

Quem vive da atividade contou à reportagem que o faturamento caiu 80% nos últimos dois meses.

A mobilização de “pessoas que dependem do rio para sobreviver” começou mais fortemente na última sexta-feira (2) com um grupo no WhatsApp intitulado “Manifestação Agora – Luto Contrabandistas não usa [IRC] arma covardes”. A reportagem teve acesso a todo a conversa do grupo.

O texto original chamava para a mobilização com o seguinte foco: “Guaíra pede socorro, comércio, famílias em geral, vamos fazer uma paralisação @Ayrton Senna [ponte Ayrton Senna] a partir das 6h30 da manhã – do último sábado – (vai ser uma paralisação passiva [pacífica]), o motivo: que a nossa cidade não têm empregos e não têm fábricas para o povo trabalhar. O contrabando pode ser até errado, mas é o único meio de sustento da cidade, farmácias, padarias, marcados até serviços gerais estão sendo atingidos com essa covardia. Os militares não estão fazendo o seu trabalho corretamente e sim abatendo pais de famílias, no português certo, matando pais de família, porque o único meio de sustentar a sua família é o contrabando e já faz muito tempo que Guaíra vem sendo difamada, que aqui é o pior lugar a se viver e que o crime é imenso. Isso é uma grande mentira. Eles jogam na mídia que contrabandistas fazem confrontos com a polícia e isso é uma grande mentira. Nós usamos o contrabando sim para nos sustentar e sustentar a nossa família! Não usamos armas nem facas e nenhuma espécie que possa colocar em risco a vida das autoridades, então nós estaremos a partir da 0h ajeitando para fazer a manifestação passiva [pacífica]. Querem ir nos ajudar, que venham. É para o bem da cidade de Guaíra. Agradecemos a todos que podem vir e que Deus abençoe a todos”.

Ao longo das conversas do grupo, a justificativa da manifestação era a morte de um homem na última quinta-feira durante tentativa de abordagem do Exército que terminou com um tiro contra o piloto de uma lancha que vinha do Paraguai – já em território brasileiro – com cigarros contrabandeados. A intenção era para que essa e outras vítimas de situações similares fossem lembradas na manifestação além de pedir ações menos violência no rio por parte do Exército e da polícia.

A troca de áudios no grupo indicava que parte deles estava disposta a um confronto com as forças de segurança caso fosse necessário.

Alguns integrantes defenderam que policiais deveriam liberar o rio para que pudessem voltar a trabalhar com o contrabando, caso contrário o “preço a pagar seria alto”.

A pressão dos contrabandistas tem relação direta com o baque financeiro sofrido nas últimas semanas. Segundo avaliação da Polícia Federal, mais de R$ 1 bilhão em mercadorias ilegais já deixaram de entrar pela fronteira o trecho de Pato Bragado até Rosana (SP) devido à ação de repressão. O delegado-chefe da PF em Guaíra, Julio Mitsuo Fujiki, já havia alertado que essa condição colocaria em desespero quem vive do contrabando na região e disse que as forças de segurança estavam preparadas para um possível confronto.

Uso de indígenas

Apesar dos ânimos acirrados no grupo, a manifestação acabou por ser pacífica e com um número baixo de pessoas, o que fez o grupo a organizar nova mobilização para esta semana, entre hoje e amanhã, desta vez com o apoio de indígenas, sobretudo “dos que dependem do contrabando para viver”.

Um dos áudios postados no grupo revela que caciques envolvidos com o esquema deveriam ser chamados junto de membros de suas aldeias e que desta vez não haveria impedimento para fechar a ponte, já que no sábado os manifestantes não conseguiram interromper a passagem de veículos.

Vale destacar que um interdito proibitório concedido pela Justiça no início do ano proíbe a interrupção de tráfego da ponte que liga Guaíra a Mundo Novo, no Mato Grosso do Sul, prevendo aplicação de multa para quem o fizer. A regra vale para a comunidade indígena.

Ouça os áudios trocados no grupo:

Vão fechar tudo, a notícia veio de um comandante do exército de Guaíra.
Não tem prazo para acabar, essas operações vão continuar, vão fechar a fronteira. 
“Foda” para a gente que depende disso. 
Sim pessoal, fiquei sabendo agora. Não sei o que vai ser desse pessoal que depende disso. Se tivesse dinheiro para hospital do jeito que tem pra operação a gente estava bem. 

Estou saíndo, tem muita gente já. Vai saber se não tem polícia no grupo, aí fica madando Link pra todo lado. “Tô saindo paz”. 

Parte do grupo pedia paz

Ao longo da troca de mensagens do grupo de WhatsApp, uma parcela se mostrava mais moderada e reforçava que o objetivo da mobilização deveria ser para lembrar as vítimas que perderam a vida “trabalhando com o contrabando”, “que os contrabandistas não trabalham armados nem costumam enfrentar policiais”. Membros pediam ainda “mais cautela das autoridades no momento de fazer a abordagem e que as fiscalizações fossem feitas de forma mais criteriosa”.

Alguns chegaram a dizer que entendiam o baque financeiro que o combate ao contrabando trazia à cidade, mas que não eram contrários às fiscalizações porque entendem que contrabandear é crime.

Disseram ainda que muitas vezes o contrabando “acabava sendo a única alternativa para a região de Guaíra, que até existem vagas de emprego, mas que não são contratados porque não possuem experiência e o Município não oferece qualificações”.

A Prefeitura de Guaíra rebateu as queixas e disse que em praticamente todas as turmas de cursos ofertados pela Escola do Trabalho sobram vagas e que Guaíra conta com boas escolas municipais e estaduais, faculdades com cursos presenciais e a distância e que neste momento vive um momento importante no setor da construção civil, que há muitas vagas para pintores, eletricistas, encanadores, há restaurantes em busca de garçons e entregadores, mas que não se consegue contratar por falta de profissionais em busca das vagas.

Pescadores também seriam prejudicados

Alguns manifestantes alertaram que os pescadores que dependem do Rio Paraná para sobreviver estão se sentido acuados, têm medo de ir à noite para o rio e de serem confundidos com contrabandistas e que as pescas praticamente cessaram nas últimas semanas.

As forças de segurança ter feito qualquer tipo de enfrentamento a pescadores e garantem que a fiscalização é única e exclusiva para frear ações ilícitas no Rio Paraná.

Outras fontes afirmam que pescadores têm sido alvos de ladrões, especialmente durante a noite.

Outras ações de repressão

A ação de repressão ao contrabando na fronteira entre Brasil e Paraguai, especialmente no Rio Paraná, vem se intensificando nos últimos anos e as quadrilhas buscam alternativas para meios que antes era comuns.

Há pouco mais de uma década, ações integradas acabaram com os comboios de ônibus que seguiam do Paraguai até o interior do Brasil pela BR-277.

Desde então, o transporte passou a ser feito em carros de passeio ou em caminhões, mas a maioria das cargas chega ao Brasil pelo Rio Paraná em lanchas abarrotadas de produtos ilegais.

Já do lado de cá os carregamentos são acomodados em veículos de passeios, muitos roubados ou furtados, em uma verdadeira indústria do contrabando e do tráfico, envolvendo centenas de profissionais, desde os “cabeças” das quadrilhas, os pilotos das lanchas, os olheiros, os batedores, até quem faz o transporte terrestre pelo Brasil.


Nova operação

A fiscalização na região de Guaíra terá o reforço de homens do Exército em mais uma edição da Operação Fronteira Sul. Também haverá reforço nas fiscalizações da Polícia Federal, da Força Nacional, da Polícia Rodoviária Federal e do Batalhão de Polícia de Fronteira.

Segundo fontes ouvidas pelo Jornal O Paraná, foco é fechar o importante corredor do tráfico e do bilionário mercado do contrabando na região oeste do Paraná.

Essa informação chegou a ser compartilhada no grupo de WatsApp em apoio aos contrabandistas, sugerindo o recebimento de informações privilegiadas sobre a ação (mensagens 1 em texto).

Polícia alerta que cerco vai fechar ainda mais a partir de agora no enfrentamento ao tráfico e ao contrabando

A estrutura dos portos clandestinos

O Jornal Última Hora, do Paraguai, divulgou ontem a constatação de 261 portos clandestinos no Rio Paraná somente no Lago de Itaipu de Foz do Iguaçu a Guaíra, no lado brasileiro, e em Hernandárias e Salto del Guairá no lado paraguaio.

Seriam, segundo o jornal, 170 portos clandestinos no lado paraguaio e mais 91 no lado brasileiro.

O jornal identificou proprietários dos terrenos onde estão localizados os portos e em alguns deles foram identificados funcionários de forças de segurança paraguaia ajudando no carregamento de mercadorias ilícitas em barcos clandestinos.

Operações

Há, neste momento, duas operações em andamento no Rio Paraná. A ação intensificada já faz com que importantes núcleos consumidores de cigarros contrabandeados fiquem sem produto.

Pesquisa realizada pelo Ibope aponta crescimento no mercado ilegal de cigarros pelo sexto ano consecutivo: 57% de todos os cigarros consumidos no País em 2019 foram ilegais, sendo que 49% foram contrabandeados (principalmente do Paraguai) e 8% foram produzidos por fabricantes nacionais que operam de forma irregular. Com isso, 63,3 bilhões de cigarros ilegais inundaram as cidades brasileiras. O número deste ano representa um crescimento de 3 pontos percentuais em relação à pesquisa de 2018.

Pela segunda vez desde o início da pesquisa, a arrecadação de impostos do setor será inferior à sonegação: R$ 12,2 bilhões contra R$ 12,6 bilhões.