Acertadamente, alguns tribunais desbravam mais uma densa selva nas questões da maternidade: o capital invisível do cuidado. Sob o pretexto do amor incondicional, está lá escondido o cuidado, enquanto dever legal, de incumbência de ambos os genitores no cuidado com os filhos menores. No entanto, mesmo para as casadas, em regra, a divisão é desproporcional, visto que se estabelecem os papéis do cuidado a partir do gênero. Porém, qual papel é exclusivamente feminino em relação aos filhos? Parir (e olha lá, com os desenvolvimentos de úteros artificiais).
No entanto, o cuidado passa a ser quase que exclusivamente da mãe, afinal de contas, ela é “guerreira”, “super heroína”,… – elogio que afunda a mulher no silêncio da sobrecarga, pois uma guerreira não reclama. Se isso é comum na constância dos relacionamentos conjugais, com o final deles, a situação piora um pouco, com o surgimento de uma figura peculiar: o pai de Instagram, que só aproveita os bons momentos com os filhos, duas vezes ao mês, além de pagar um valor que cobre algumas despesas materiais.
Contudo, se o homem não vive só de pão, que dirá uma criança em desenvolvimento? No estabelecimento da pensão alimentícia, comumente, só se consideram alguns gastos materiais, que devem ser repartidos entre os genitores, em pé de igualdade, não sendo consideradas as questões imateriais que são extremamente importantes. Aliás, como dividir igualmente os deveres para com os filhos se o pai passa alguns dias do mês, enquanto a mãe deve garantir os demais dias, em tempo integral? É possível não contabilizar essas horas trabalhadas, pois estariam pagas por “amor”?
Para que possa exercer sua profissão, além de outras despesas, a mãe solo depende de profissionais que auxiliam (e custam), além de despesas com lazer (que geralmente escapam da contabilidade das pensões). Ademais, pouco resta do tempo e disposição para a mulher, que passa a ser vista tão somente como mãe, com pouca ou nenhuma necessidade pessoal. E isso recai quase que invariavelmente sobre a mulher, não só a mãe, mas a madrasta, a avó, a tia,…
Isso é discriminação de gênero e violação de direitos humanos que deveria ser mitigada pelo Estado. A maternidade solo é árida e solitária, com um investimento de cuidado que está além dos cálculos aritméticos. Por isso, alguns tribunais vanguardistas vêm reconhecendo a remuneração desse trabalho até então não contabilizado, sendo imperioso não confundir esfera produtiva e reprodutiva.
Para filhos atípicos, em que o cuidado é mais intenso, podendo impedir o trabalho remunerado da mãe, a remuneração do cuidado é mais latente, inclusive para os filhos maiores de idade, podendo ser acumulado com o Benefício de Prestação Continuada do INSS. Fundamentado na relação de parentesco, tais alimentos também dizem respeito às necessidades de quem recebe, não só materiais, como imateriais, podendo perdurar por toda a vida do alimentando.
Os avanços no Direito não são uniformes, havendo períodos de ampliação de proteção, outros, nem tanto. Afinal de contas, enquanto discurso, pode ser manipulado para favorecimentos de grupos majoritários, enquanto as minorias podem permanecer desprotegidas. Nesse sentido, os Tribunais devem ser oásis no deserto e garantir água aos sedentos em uma infertilidade de direitos aos vulneráveis.
Dra. Giovanna Back Franco – Professora universitária, advogada e mestre em Ciências Jurídicas