A relação de casal, diferente da relação pais-filhos, é de essencial igualdade. Quando um cônjuge reivindica amor incondicional, ou quando apela ao medo do abandono, ou usa da chantagem da ameaça de suicídio quando o outro quer romper a relação, a igualdade fica comprometida. A pessoa de quem é exigido amor incondicional é colocada na posição de pai/mãe, porque somente pais amam incondicionalmente aos filhos.
A pergunta que, talvez, você tenha se colocado é: por que a exigência de amor incondicional abre as portas para a infidelidade? A pergunta faz sentido, porque, à primeira vista, dá a impressão de que o amor incondicional blinda a relação no que diz respeito à infidelidade. Hellinger notou em sua prática terapêutica que isso não é verdade. Antes, o contrário.
O amor incondicional expõe o casal ao risco da infidelidade porque rompe a igualdade da relação. Em geral, a pessoa que trai é aquela de quem é exigido amor incondicional. Ela não suporta o peso de ser colocado como pai/mãe do parceiro e busca um amante a fim de experimentar novamente a relação de igual para igual.
Mais uma informação: a relação entre iguais costuma ser potencializadora. Ao contrário disso, relação entre adultos em que um dos dois assume o papel de pai/mãe bloqueia e desvitaliza. Mesmo assim, muitos preferem a segunda relação à primeira.
Quando a relação de casal se estabelece no formato da relação pais-filhos e acontece uma traição, a parte “inocente” costuma se comportar como se tivesse o direito de considerar a parte “culpada” como “propriedade” sua eternamente. É assim como funciona na relação pais-filhos: o filho “pertence” aos pais para sempre no sentido de ser uma relação impossível de ser dissolvida. Quando, porém, isso acontece na relação de casal, a parte inocente, em vez de procurar ganhar o outro pelo amor, persegue-o pela vingança. Depois que se considera suficientemente vingada, a parte culpada já não consegue mais voltar. A relação se torna insuportável para ela.
Em lugar de uma fidelidade compreendida como posse absoluta da pessoa e dos sentimentos do outro, Hellinger defende algo mais humano e comedido. Em seus escritos, reconhece que sente um grande respeito pela fidelidade, mas não diante de uma fidelidade assim. Esta deve resultar do amor.
Muitas vezes, diz ele, um cônjuge reclama: “Sou a única pessoa que deve ser importante para você”. No entanto, alerta Hellinger, às vezes o cônjuge acaba conhecendo também outras pessoas importantes.
Em semelhante caso, o outro cônjuge não tem o direito de persegui-la por isso. Deve respeitá-la tal como é. Somente assim, talvez, possa se dar uma boa solução para todos. No entanto, esse giro positivo unicamente é possível através do amor, conclui Hellinger.
O amor de casal é uma relação de fidelidade, sim, mas de uma fidelidade construída no amor. O amor sempre deixa o outro na sua liberdade. Jamais lhe tolhe o direito de ser e de decidir por si. Um amor que quer possuir, controlar, educar, pertence a pais em relação aos filhos. O amor fiel da relação de casal é uma construção permanente e sempre exposta ao risco. Assim como a vida.
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JOSÉ LUIZ AMES E ROSANA MARCELINO são terapeutas sistêmicos e conduzem a Amparar.
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