Opinião

Coluna Amparar: a raiva como substituta da dor não permitida

O cônjuge é apenas o destinatário e não a origem da raiva

Coluna Amparar: a raiva como substituta da dor não permitida

Na postagem anterior examinamos quatro possíveis causas detrás da raiva que um cônjuge sente em relação ao outro. Como dissemos, na origem das ofensas e agressões que um cônjuge dirige ao outro está a raiva. Muitas vezes a raiva que o cônjuge sente não tem origem no comportamento do outro cônjuge, mas pode ter origens em seu sistema familiar. O cônjuge é apenas o destinatário e não a origem da raiva. Já examinamos quatro possíveis causas. Na postagem desta semana trataremos de outras três.

Uma quinta origem da raiva está na lealdade de um posterior em relação a um anterior. Isso acontece, por exemplo, quando uma esposa sente raiva do marido, mas a reprime e não permite a si mesma de expressá-la abertamente. Essa raiva reprimida da esposa contra o marido é assumida, por exemplo, por uma filha a qual não a dirige contra o pai, e sim mais tarde contra o marido. Hellinger ilustra essa situação com o relato de uma mulher que, quando criança, era mandada para o campo com a mãe e os irmãos durante o verão por ordem do pai enquanto este ficava na cidade com sua amante. Quando ia visitar a família acompanhado de sua amante, sua esposa os servia sem queixas nem recriminações. Ela reprimia sua raiva e sua dor. A filha, depois de casada, traía o marido e o maltratava. Nesse caso, diz Hellinger, nota-se que, quando a filha vinga a mãe, ama não somente a ela, mas também ao pai, pois o imita agindo com o marido da mesma forma como o pai agia com sua mãe.

Assim, muitas vezes, a raiva que um parceiro dirige ao outro não tem origem em algo que o parceiro faz, mas é alimentada por uma lealdade em relação à família de origem. Essa raiva costuma ser muito intensa dos dois lados: quem sente a raiva e a transfere ao parceiro se sente orgulhoso e cheio de direitos como o justo vingador; aquele que sofre a raiva se sente igualmente cheio de razão porque se sente sofrer injustamente a raiva do parceiro. Obviamente, os dois lados agem na inconsciência.

Uma sexta origem de raiva costuma existir durante e após a separação como substituto para o sofrimento e a dor não permitidos. O casal prefere continuar brigando por causa de questões de patrimônio e guarda dos filhos, por exemplo, a admitir que alguma vez amaram um ao outro profundamente. Em lugar de assumir a dor da separação, procuram pelo culpado para fugir da dor. Se, em vez disso, ambos assumissem sua parte de responsabilidade e tomassem o bom que viveram em seu casamento, em lugar da raiva restaria a dor e o luto necessários em toda perda.

Finalmente, uma sétima origem da raiva é a que surge quando um cônjuge não ficou com raiva do outro, apesar de isso ter sido necessário. É caso, por exemplo, quando um cônjuge trai o outro e o cônjuge traído, em lugar de ficar com raiva de quem traiu, transfere sua raiva à pessoa com a qual o cônjuge a traiu. Trata o cônjuge que traiu como vítima inocente transferindo toda culpa à outra pessoa! Obviamente, a ausência de conflito na relação de casal por causa da traição de um dos parceiros envenena a relação, porque a “tempestade purificadora” da briga necessária não aconteceu e, com isso, o novo começo igualmente não tem como acontecer. Além disso, a clara expressão da raiva, nesse caso, pode levar à situação que mencionamos acima quando tratamos da quinta origem de raiva.


JOSÉ LUIZ AMES E ROSANA MARCELINO são terapeutas sistêmicos e conduzem a Amparar.

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