Opinião

Servindo

Servindo

 

Um diagnóstico correto? Uma palavra amiga? Um consolo? Uma mão estendida? Qual dessas formas você gostaria de ser tratado pelo seu médico? Todas elas? Afinal o que é mais importante oferecermos aos nossos pacientes?

Com certeza isso varia demais, depende do paciente também, depende do caso em questão. Depende sobretudo do médico. Uma dessas atitudes pode fazer uma grande diferença, não apenas em como o paciente está se sentindo ou como ele nos vê. O nosso entendimento de como as atitudes e palavras influenciam no tratamento é ainda muito raso. E a família do doente? Como abordá-la? Principalmente quando as notícias não são muito boas. É tudo muito difícil e imbricado. Ser médico é muito mais que saber drogas, mecanismos fisiopatológicos, prognósticos. Ser médico é em sua origem, servir.

Vai muito além da forma fria de “entregar um serviço” como tantos outros, porque envolve a vida de quem é servido, envolve sua segurança, seus planos futuros e expectativas. Uma vez um paciente me disse: “Doutor, não me importa o que vocês farão, eu apenas quero voltar para brincar com meus netos!” Olha o quanto isso é importante e no entanto parece tão singelo. Não podemos jamais olhar isso com desdém ou superioridade. O desejo daquele paciente era soberano. Claro que nem sempre conseguimos, mas devemos sempre nos doar ao máximo para que esse desejo se concretize. Conseguem perceber a importância disso?

O ser mais complexo que anda sobre a Terra (até onde sabemos) o Homo Sapiens, é justamente o nosso paciente. Toda carga emocional, cultural, social e histórica de uma pessoa está ali bem na nossa frente na hora em que vamos intervir. Aceita receber sangue? Tem alergias? Fuma? Acredita em Deus?

Está tudo ali exposto e precisamos enxergar muito mais do que o nome na ficha, do que o diagnóstico, do que a hemoglobina deste ser. Precisamos servi-lo.

Lembro bem das aulas de anatomia na faculdade. Dos cadáveres que utilizávamos para estudo. Eu sempre olhava para eles e ficava pensando: quem ele/ela foi? O que aconteceu na sua vida? Que planos deram certo ou errado? Quem ele ou ela amou mais que a si mesmo? Muito mais do que veias, artérias, nervos, tendões e protuberâncias ósseas. Muito mais do que qualquer coisa, um recinto sagrado para estudo. Mesmo que falecidos, ainda estavam ali ajudando a sociedade, emprestando seus corpos como modelo para que novos médicos entendessem que servir é o principal. Na época da nossa juventude e imaturidade, acho que não entendemos tão bem quanto deveríamos, ainda assim, aprendemos.

O que eu quero dizer com tudo isso, é que devemos ter uma imensa humildade para sermos médicos. Cada vez mais. Aquele médico “das antigas” tratado com toda deferência e como autoridade suprema está ultrapassado, caso ele não entenda que seu papel é servir. O jaleco não significa nada, o juramento de Hipócrates não significa nada, as pompas e circunstâncias não fazem a menor diferença para quem está ali doente, precisando melhorar, precisando de esperança, exposto e frágil. Temos que entender isso de uma vez por todas.

Para isso devemos ser amigos do conhecimento, devemos ler, devemos estudar, devemos parar de tratar “ciência” como palavrão. A ciência não é algo frio e distante com seus dados e gráficos complicados. De forma alguma, absoluta, mas a ciência médica é nossa arma, é o que temos para oferecer de melhor. O que o paciente espera de nós vai muito além de uma versão maquiada e bonitinha do Instagram, ele espera o nosso serviço, como conhecedores do corpo humano e suas mazelas. Ele espera nossa bondade. Nossa bondade de servir o que há de melhor ou nossa humildade para admitir que aquele problema supera nossas competências.

Ao longo desses meus anos de prática eu já vi e enfrentei muitas dificuldades lidando com pacientes. Mas não é difícil sempre dar alguma esperança. Não é difícil se importar e se colocar no lugar do outro. Não é difícil perceber como somos pequenos. Uma peça de uma grande engrenagem.

O paciente espera nossa honestidade. O paciente espera que o médico diga a verdade. Isso está implícito e também consta no nosso juramento.

“Semelhante cura o semelhante”, essa é uma frase clássica da homeopatia, mas que nós também podemos aplicá-la, médicos alopatas. O semelhante somos nós! Nós também somos da mesma espécie que os nossos pacientes. Quem melhor do que nós para entender toda essa complexidade?

Para encerrar, deixo um recado aos meus colegas e estudantes de medicina: Sirvam! Esse é o papel do médico e nada mais. Isto tem que estar bem compreendido. Não existe o glamour das séries de tv, não há tempo para segurar uma vida por um fio e depois se vangloriar em redes sociais. Isto é feio e abjeto. Não há espaço para “dancinhas”. O paciente não quer um palhaço, uma performance de circo.

Ser médico é uma tarefa sagrada. Uma das mais sagradas que alguém pode executar.

Servir é ser médico, ser médico é servir.

 

Caê Martins

CRM/PR – 20965.

 

Carlos Eduardo dos Santos Martins

Anestesiologista