Opinião

Coluna Direito da Família: A mão invisível do trabalho

Coluna Direito da Família: A mão invisível do trabalho

 

Dra. Giovanna Back Franco

Professora universitária, advogada e mestre em Ciências Jurídicas

 

Começando maio, o mês do trabalhador, em homenagem às lutas históricas por melhores direitos. Aliás, os direitos, de forma geral, são garantidos a partir de muita luta e busca por afirmação e promoção por parte do Estado e da sociedade, especialmente quando destinados a grupo minoritário. São reflexos, pois, das mudanças sociais e culturais ao longo da história.

No entanto, embora louvável tal preito, destina-se, em grande medida, aqueles que “contribuem” com a sociedade, sendo economicamente ativos e gerando a fonte de tributos ao Estado: os que recebem contraprestação pecuniária. Mas, assim como Adam Smith pregava que o mercado se autorregulava através de uma “mão invisível”, relacionada à oferta e à procura, a estrutura social depende do “trabalho invisível” ou não remunerado, para seu regular funcionamento.

Até os idos do século XIX, as mulheres tinham um papel bem definido na sociedade: a maternidade. Com o avanço industrial e guerras que ceifaram um sem número de vidas, as mulheres passaram a assumir os postos de trabalho. A estrutura familiar teve uma grande reviravolta, saindo de um mundo estático de papeis familiares bem definidos para um mundo dinâmico, (des)organizado pela pluralidade familiar, cujos papeis podem ser encenados por qualquer um. Apesar disso, sobejou o costume do trabalho doméstico feminino.

O ato de cuidado ainda ressoa como atribuição da mulher, a qual, sob o lema da liberdade financeira, acumula jornadas e funções, sendo muitas delas realizadas de forma gratuita. Além disso, por ranço histórico, o patrimônio ainda é da alçada masculina, não sendo incomum permanecer sob a administração do “pai de família”, visto este “ter tino para negócios”.

Por estas concepções arraigadas à sociedade, o legislador, aparando as arestas em nome da dignidade e da minoração da vulnerabilidade, assentou mecanismos para mitigar essa disparidade de gênero, especialmente pela vedação constitucional à discriminação. Assim, passa a haver, recentemente, a obrigatoriedade de corresponsabilidade entre os genitores não só no provento, mas no cuidado com os filhos menores. Ademais, os cônjuges e conviventes (aqueles que partilham de união estável) passam a ter obrigações equivalentes e recíprocas entre si, não só no que diz respeito à fidelidade ou à coabitação, mas também com relação ao sustento.

Isso quer dizer que ambos devem contribuir para as despesas domésticas e ambos devem colaborar no gerenciamento do lar (aqui incluídos os afazeres domésticos). Neste ínterim, havendo dúvida entre os contraentes, há a possibilidade de reduzir por escrito em pacto antenupcial. Isso mesmo! Pacto antenupcial não serve apenas para dizer qual o regime de bens que deve vigorar, mas também para explicitar quais são as “regras do jogo”.

Quando o legislador foi omisso em dar algum louro à contribuição do “trabalho invisível” no cotidiano familiar, apesar da grande importância para o funcionamento da família, os tribunais o fizeram. Afinal, o Direito rege-se não só por regras jurídicas, mas também por princípios que fundamentam e auxiliam na interpretação das regras, tais como boa-fé, proporcionalidade, razoabilidade, … Fez-se visível o laurel ao “trabalho invisível” pela possibilidade de divisão dos chamados “aquestos” (os bens adquiridos onerosamente na constância do casamento ou da união estável), mesmo no regime de separação obrigatória de bens. Entende-se que não é possível a aquisição de qualquer patrimônio desconectado do auxílio imaterial da família (na maioria das vezes, da mulher, que, apesar das múltiplas jornadas, não faz jus à titularidade da propriedade).

Congratulações, portanto, a todos que contribuem no trabalho invisível e não remunerado do cuidado que sustenta a família e, consequentemente, à sociedade, sendo estrutura que possibilita que alguns ajam ativamente na economia e recebam a contraprestação pelo seu dispêndio de uma parcela de tempo e de vida, na criação de produtos ou serviços voltados ao consumo da sociedade hedonista dos dias atuais.