Brasil - São Paulo – A redução da jornada de trabalho semanal de 44 horas para 40 ou 36 horas, sem diálogo com o setor empresarial, como preveem PECs (Propostas de Emenda à Constituição) em debate no Congresso Nacional, pode ter “efeitos devastadores”, sobretudo para pequenas e médias empresas. É o que apontam a CNI (Confederação Nacional da Indústria) e a FecomercioSP (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo de São Paulo).
Em artigo, a superintendente de Relações do Trabalho da CNI, Sylvia Lorena, e o presidente em exercício da FecomercioSP, Ivo Dall’Acqua Junior, afirmam que o Brasil não oferece um cenário econômico favorável à redução da jornada de trabalho. Entre os fatores negativos estão a elevada carga tributária, as taxas de juros entre as mais altas do mundo, a insegurança jurídica, a dificuldade de encontrar mão de obra qualificada e a baixa produtividade no trabalho.
Redução por acordos
Atualmente, a Constituição fixa jornada máxima de 44 horas semanais, mas acordos coletivos já vêm reduzindo esse número. “No Brasil, as negociações coletivas funcionam há muito tempo e acordam jornadas por setores, com bons resultados para empregados e empregadores. A média da jornada negociada é de 39 horas, parecida com a de países como Estados Unidos e Portugal”, aponta o artigo.
Para os representantes das duas entidades, avanços em qualidade de vida e saúde mental “são inegociáveis”, mas devem ocorrer por meio de diálogo envolvendo todos os setores. Sem investimentos em educação, tecnologia e qualificação profissional, avaliam, a mudança pode gerar desemprego, aumento de custos e perda de competitividade.
Em outro posicionamento, a CNI afirma que a redução da jornada semanal não deve ser definida por imposição legal. Para a entidade, a negociação coletiva é o caminho mais adequado para que empresas e trabalhadores construam soluções compatíveis com suas realidades econômicas e produtivas.
Baixa produtividade
O Brasil está em 100º lugar entre 189 países no ranking de produtividade por empregado da OIT (Organização Internacional do Trabalho) e vem enfrentando, há anos, dificuldades para melhorar seu posicionamento. O artigo aponta que Noruega, Bélgica e Irlanda, por exemplo, apresentam produtividade de quatro a sete vezes maior do que a brasileira.
Produtividade e Jornada de Trabalho
De acordo com o economista e pesquisador do Lab Gov/EACH USP, Sillas Souza, a baixa produtividade é um fator fundamental a ser considerado. “Na Europa, onde a redução da jornada de trabalho se difundiu de maneira muito rápida, havia um movimento de ganhos de produtividade, ou seja, o trabalhador precisava de cada vez menos horas para entregar o trabalho dele. Houve um entendimento de que era mais vantajoso reduzir a carga horária porque a produtividade estava mantida”, explica.
Para mudar esse cenário, o Brasil precisa ampliar significativamente os investimentos em tecnologia e educação, a exemplo dos países europeus, defende Souza.
Impactos da PEC 08/2025
Informalidade gera perdas bilionárias
O impacto financeiro será ainda mais elevado se a PEC 08/2025, que prevê a redução da jornada para 36 horas semanais, for aprovada. A proposta, de autoria da deputada federal Erika Hilton (PSOL/SP), entre outros parlamentares, está em debate em uma subcomissão especial vinculada à Comissão do Trabalho na Câmara dos Deputados.
Pesquisa da FecomercioSP aponta o aumento de 37,5% no custo da hora de trabalho no comércio. Já na indústria, a CNI estima um impacto anual de custos com mão de obra de R$ 178,8 bilhões – 25,1% a mais no custeio de empregados formais.
A medida levaria a contratações adicionais, o que é “inviável para pequenos negócios e oneroso para empresas de médio porte, além da escassez de mão de obra qualificada”, apontam os autores do artigo.
Outro estudo da FIEMG (Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais) alerta para o risco de aumento da informalidade, que já atinge 38,3% dos trabalhadores, e da perda de competitividade para países com jornadas mais extensas e custos menores, como México, China, Índia e Vietnã.
Governo e mercado divergem sobre os números da economia, diz nota técnica
As Consultorias de Orçamento do Senado e da Câmara dos Deputados lançaram nesta semana uma nota técnica conjunta sobre o PLOA (Projeto da Lei Orçamentária Anual) do próximo ano. O PLN 15/2025 foi encaminhado pelo Poder Executivo em agosto e é relatado pelo deputado Isnaldo Bulhões Jr (MDB-AL).
O PLOA estima receitas e despesas de R$ 6,53 trilhões. De acordo com a nota técnica, governo e mercado financeiro divergem nas previsões sobre o crescimento econômico. “As projeções para 2025 apresentam diferença de 0,35 ponto percentual (estimativa do Poder Executivo aproximadamente 16% superior à do mercado). O Poder Executivo é mais otimista também para o período de 2026 a 2028, projetando taxas de crescimento consideravelmente superiores àquelas esperadas pelo mercado (diferença aumenta para cerca de 30%, 35% e 28%, respectivamente)”, destaca o documento.
Inflação
No que se refere à inflação, os valores convergem em 2025. Para o triênio de 2026 a 2028, o Poder Executivo espera inflação significativamente menor do que a estimativa do mercado: com diferenças de 0,71 pontos percentuais em 2026; 0,84 em 2027; e 0,8 em 2028. O PLOA 2026 prevê um resultado primário superavitário em R$ 34,54 bilhões — se descontadas as despesas referentes a precatórios (R$ 57,84 bilhões). Considerando-se os precatórios, a estimativa é de déficit de R$ 23,29 bilhões. O limite para as despesas primárias em 2026 é de R$ 2,42 trilhões.
Segundo a nota técnica, as renúncias de receitas tributárias em 2026 — conhecidas como gastos tributários — serão de R$ 612,8 bilhões. Isso equivale a 4,43% do produto interno bruto (PIB). “Esse montante representa elevação de R$ 68,4 bilhões relativa ao valor estimado no PLOA 2025. Embora se esteja longe da meta estabelecida pela Emenda Constitucional 109, de redução desses benefícios a 2% do PIB, a trajetória atual sinaliza estabilização, uma vez que cai de 4,89% do PIB em 2024 para 4,40% do PIB em 2025, próximo do que se prevê para 2026”, salientam as consultorias.
Educação e INSS
O PLOA reserva R$ 233,4 bilhões para o Ministério da Educação em 2026, um acréscimo de R$ 32,9 bilhões (16,4%) em relação ao PLOA 2025. Para a Saúde, o montante mínimo de aplicação em ações e serviços públicos é de R$ 245,5 bilhões.
O texto projeta um déficit de R$ 335,4 bilhões nas contas do Regime Geral de Previdência Social. “A expectativa é de estabilização nos próximos anos, com retorno posterior da tendência de crescimento, tendo em vista que a política de valorização do salário-mínimo tende a compensar os efeitos da reforma [previdenciária de 2019]”, destaca a nota técnica.
No campo da assistência social, o PC (Benefício de Prestação Continuada) deve atender 6,2 milhões de pessoas com um montante de R$ 122,4 bilhões, o que representa acréscimo de 7,7% em relação à dotação autorizada para 2025. O Bolsa Família conta com R$ 158,6 bilhões para 19,9 milhões de famílias, com valor médio mensal de R$ 664,29 por família.
As consultorias também analisam o atendimento de emendas parlamentares, No PLOA 2025, havia R$ 24,7 bilhões para emendas individuais e R$ 14,3 bilhões para as de bancada com execução obrigatória. No PLOA 2026, são R$ 26,6 bilhões para individuais e R$ 14,2 bilhões para as de bancada. “No caso das emendas individuais, cada deputado e cada senador contará com cerca de R$ 40,2 milhões e R$ 74,0 milhões, respectivamente”.