CASCAVEL

Muitas vagas mesmo com salários mais altos: Quem está pagando a conta do Bolsa Família?

Em Cascavel, conforme dados do último mês de outubro, mais de 35 mil pessoas foram beneficiadas pelo Bolsa Família, sendo que quase 16 mil têm entre 18 e 59 anos - Foto: Paulo Eduardo/O Paraná
Em Cascavel, conforme dados do último mês de outubro, mais de 35 mil pessoas foram beneficiadas pelo Bolsa Família, sendo que quase 16 mil têm entre 18 e 59 anos - Foto: Paulo Eduardo/O Paraná

“Há três coisas sobre o trabalho que o mundo vai lhe ensinar ao contrário, mas que você não pode errar. Primeiro, o mundo vai lhe dizer que nem tudo é trabalho, mas você precisa entender que o trabalho é o pilar central da vida. Todas as coisas, família, saúde, bem-estar: tudo depende e gira em torno do trabalho. Segundo, o mundo vai lhe dizer que o trabalho é um mal necessário, um castigo, uma punição, mas você precisa entender que o trabalho é a coisa mais sagrada e divina que você fará – é através dele que você vai fazer a sua obra aqui na terra. Terceiro, o mundo vai dizer que o trabalho é um meio para alcançar o fim e você precisar entender que não. A recompensa maior deve estar no trabalho em si e não no resultado que ele trará”. Palavras do filósofo, jornalista e autor de best sellers, Jacob Petry, que abrem a reportagem especial do Hoje Express desta semana sobre o tão sagrado trabalho.  

Foto: Ilustração

Dezembro. Compras. Presentes. 13o salário. Férias. Decoração de Natal. Horário do comércio estendido até a noite. Vagas temporárias. É, caros leitores, antes de ouvirmos os sinos de Natal é preciso passar por tudo isso. Mas é o último item desta lista que mais preocupa na atualidade: encontrar trabalhadores – seja para vagas temporárias ou efetivas. Este impresso noticiou recentemente alguns vieses deste cenário e os desafios enfrentados pelos empresários e desde então, infelizmente, pouca coisa mudou.

Subiu tudo, até o salário!

Dia desses, em um grupo que divulga vagas de empregos, um anúncio chamou a atenção desta que vos escreve, quando a real intenção dele era atrair os olhares de candidatos interessados em receber R$ 3.500,00 por mês para trabalhar como atendente de restaurante, com turnos a escolher em carga horária de seis até oito horas. 

“Estamos pagando este valor e, infelizmente, a maioria chega para a entrevista e já fala que não quer registrar para não perder os benefícios”, relata Patrícia Ferraro, dona do restaurante que fica no Bairro Coqueiral, em Cascavel.

Para manter os colaboradores que já têm, ela já chegou a pagar aproximadamente R$ 5 mil – valor bem acima do praticado no mercado para a função e ‘salgado’ para os empresários, que não recebem incentivos públicos para aumentar os salários, ao contrário, têm cargas tributárias e contribuições cada vez mais altas a cumprir.

Quem também apostou em subir as cifras para atrair trabalhadores foram as indústrias, principalmente os frigoríficos – velhas conhecidas da eterna lista de vagas abertas e por fazerem poucas exigências para a contratação. O ‘salário da categoria’ deu lugar a ‘inicial de R$ 3.194,90’ e um pacote completo de benefícios.

Sim. Sabemos que está tudo pela ‘hora da morte’ – do posto de combustíveis ao supermercado, passando pela farmácia e mantendo distância do que não é essencial. R$ 5 mil pode ser muito para o mercado e para os contratantes, mas para quem tem família para manter, é pouco. De acordo com o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) o salário mínimo necessário no último mês de novembro deveria ser de R$ 6.959,31 – enquanto que o salário mínimo nominal é de R$ 1.412,00.

Sumiu tudo, até os trabalhadores!

E ainda sobre o mês de dezembro, desafiamos você a andar pelo Calçadão da Avenida Brasil em Cascavel e encontrar dez estabelecimentos que não tenham um cartaz colado à vitrine anunciando oportunidades de trabalho. “Se tropeçar aqui em frente à loja, eu contrato”, brinca Anna Lúcia de Lima, gerente de uma loja de calçados. Tem mesmo que rir para não chorar!

E as vagas temporárias? Alguns comerciantes que conversaram com a reportagem do Hoje Express revelaram que acabaram cedendo às propostas dos beneficiários de programas sociais ou que estão recebendo seguro-desemprego e contrataram sem registro em carteira para as vendas de fim de ano. “Agora são eles quem dão as cartas”, disse, preocupado, um lojista.

Sobre o ‘novo concorrente’ – os bons salários oferecidos pela indústria – os comerciantes nem se assustam mais. “É a dança das cadeiras das vagas. Eles saem do comércio e vão para a indústria e vice-versa, porque o trabalhador que está disposto não fica sentado em casa aguardando essa ou aquela empresa pagar mais pela oportunidade. Esse profissional sempre está empregado”, analisou, com visível desânimo a proprietária de uma cafeteria.

Quem senta na ponta, paga a conta!

E já que não existe almoço grátis, estes salários elevados precisarão sair de algum lugar e segundo a Andreia Altran, psicóloga organizacional e Diretora da Câmara Técnica de Empregabilidade do POD (Programa Oeste em Desenvolvimento), quem vai ‘sentar na ponta’ é o consumidor final.

É uma estratégia de atração de candidatos, no entanto alguém vai ter que pagar esta diferença, em geral o valor do produto ou do serviço será afetado, caso contrário pode inviabilizar o negócio”, analisa Altran, que aponta também a necessidade urgente de termos políticas que deem apoio aos empresários e empregados, que reduzam a carga tributária, que facilitem ou desonerem os custos com a contratação e que o empregado receba melhores recompensas por seu trabalho.

“Vale o estudo e discussão, para então termos um equilíbrio entre vagas abertas versus mão de obra que se sinta estimulada a fazer carreira nas empresas, mas esta é uma longa discussão”, ponderou a especialista.

Saudades daquele tempo?

Não precisa voltar muito no calendário, para lembrar a última vez que a abertura de um supermercado em Cascavel levou os recrutadores a organizar a seleção, pasmem, no estádio Olímpico – tamanha era a procura, que a fila começou a se formar no dia anterior. Parece tão, tão distante, mas foi em abril de 2021 e pouco mais de três anos depois, a realidade é mesmo muito diferente.

O restaurante que faltava para os cascavelenses anunciou sua inauguração para a próxima segunda-feira, mas há meses vem anunciando 84 vagas de emprego. Pelos corredores do Catuaí Shopping, onde o Outback vai abrir suas portas, os demais lojistas torcem pelo empreendimento, mas sabem da realidade e da dificuldade de contratação e até tiveram de ‘enfrentar’ as franqueadoras que exigem um pessoal mínimo, para conseguir abrir as portas e tem funcionário dobrando o turno para dar conta do horário esticado de shopping.

Quem faz a conta, quer explicação: Pouco desemprego e muita “Bolsa”

“Como explicar que temos somente 1,668 milhão de pessoas desempregadas e temos 20,8 milhões de famílias no Bolsa Família?” – a pergunta, que também é uma provocação a todos nós – foi feita pelo Coordenador da Câmara Técnica de Empregabilidade do POD, Sérgio Marcucci à reportagem do Hoje Express.

Os dados dos desempregados, trazidos à luz por Sérgio, foram divulgados pelo IBGE e são referentes ao primeiro semestre deste ano – enquanto que os números do programa social são exibidos com orgulho pelo Governo Federal.

Em Cascavel, conforme dados do último mês de outubro, mais de 35 mil pessoas foram beneficiadas pelo Bolsa Família, sendo que quase 16 mil têm entre 18 e 59 anos. Neste mês de dezembro, 12.859 famílias receberam o benefício na cidade.

São elegíveis ao Bolsa Família, famílias em situação de pobreza, com renda per capita de até R$ 218,00. E é aí que a conta não fecha e sobra para alguém pagar. “Acredito que grande parte das pessoas que recebem benefícios não está fora do mercado de trabalho, mas, sim, trabalhando informalmente”, apontou Marcucci.

É fácil concordar com o coordenador, afinal quem sabe os preços da cesta básica, concorda que não é possível se manter com os ‘caraminguás’ que vêm do Governo Federal – mas aí abrir mão deles, já é outra história.

Foto: Foto: MDAS/Divulgação

Cascavel

Bolsa Família de outubro

0 a 17 anos: 18.572 pessoas

18 a 59 anos: 15.948 pessoas

60 ou mais: 1.168

Total: 35.688

Uma grande messe

Longe de nós generalizar, mas perto de nós apontar o comodismo como consequência do assistencialismo sem acompanhamento e sem prazo de validade.

Além de estratégia eleitoral, os programas sociais são importantes para os vulneráveis – muitas vezes em situações e lugares inimagináveis para quem utiliza os jornais para a leitura.

Aos empresários angustiados e aos que sonham em empreender na Capital do Oeste, lembrem-se das palavras de Jesus: “A messe é abundante, mas os operários, pouco numerosos; pedi, pois, ao dono da messe que mande operários para sua messe”.