Cotidiano

Exploração de trabalho infanto-juvenil cresce 60% no Paraná, aponta o MPT

Natal - Aos 12 anos, Natan falta à escola todas as segundas-feiras para trabalhar como carregador em uma feira da cidade (Valter Campanato/Agência Brasil)
Natal - Aos 12 anos, Natan falta à escola todas as segundas-feiras para trabalhar como carregador em uma feira da cidade (Valter Campanato/Agência Brasil)

Em pleno século 21, casos de exploração de trabalho infantil de todas as naturezas são registrados nos quatro cantos do Brasil. Somente nos primeiros quatro meses deste ano, o Ministério do Trabalho e Emprego resgatou 702 crianças e adolescentes. Neste mês de junho, com o “Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil”, celebrado no dia 12, ações várias partes do Brasil, inclusive em Cascavel, com a realização de um seminário mostrando o papel importante da sociedade em denunciar os casos, chamaram a atenção para o problema.

A reportagem de O Paraná apurou junto ao Ministério Público do Trabalho no Paraná, o número de denúncias e inquéritos civis instaurados de janeiro a maio deste ano e comparou com o mesmo período do ano passado. Conforme os dados repassados pela Assessoria de Comunicação do MPT-PR, nos primeiros cinco meses de 2023 já foram protocoladas nas 10 unidades existentes em pontos estratégicos do Estado, 88 denúncias de trabalho infantil e instaurados 41 inquéritos. Já no período similar em 2022, foram 55 denúncias e 30 inquéritos civis instaurados. Em relação às denúncias, o aumento do número no mesmo período chegou a 60%.

Durante todo o ano passado, o Ministério Público do Trabalho no Paraná recebeu 135 denúncias e 101 inquéritos civis instaurados. A instauração de inquérito civil acontece após a análise inicial do procurador(a) de cada caso. Após a investigação, pode ser ajuizada uma ação ou feito um acordo entre as partes envolvidas.

Ainda em 2022, na unidade da Procuradoria do Trabalho de Cascavel, foram 5 denúncias feitas e dois inquéritos civil instaurados e, na área de abrangência de Foz do Iguaçu, foram 10 denúncias e nove inquéritos instaurados.

De janeiro até agora, foram duas denúncias feitas na unidade do MPT-PR em Foz e 12 denúncias em Cascavel, além de sete inquéritos instaurados.

 

Grave violação

O procurador do Trabalho da unidade de Cascavel, Renato Dal Ross, concedeu entrevista ao O Paraná e destacou que o trabalho infantil ainda é uma das mais graves violações aos direitos humanos. “Uma das metas prioritárias do MPT é erradicar o trabalho infanto-juvenil”.

A atuação do Ministério Público do Trabalho é investigar as denúncias que chegam por intermédio de órgãos como Conselho Tutelar e Polícia Federal. Chegando ao MPT, é instaurado o procedimento investigatório e a responsabilização daqueles que estão submetendo as crianças e adolescentes à exploração de trabalho ilícito.

A maioria das denúncias envolve situações de trabalho infantil doméstico, na função de cozinheiros ou babás, a forma mais corriqueira. “A atividade de babá é proibida pela Lista Tip [Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil], constando entre as piores formas de trabalho infanto-juvenil que existe”, cita o procurador. Crianças e adolescentes também são utilizadas no tráfico de drogas. Construção civil e na agricultura aparecem como setores que exploram esse tipo de mão de obra, considerada mais barata, mas à margem da lei.

O artigo 227 da Constituição diz que “é dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, saúde, alimentação, educação, lazer, profissionalização, dignidade, respeito, convivência familiar e comunitária, procurando colocar a salvo essa criança e adolescente a toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. “Então, inicialmente, é a família que tem essa responsabilidade e diante dessa negligência, abre-se brecha para terceiros se aproveitarem dessa situação”, salienta Dal Ross.

No Ministério Público do Trabalho, há o TAC (Termo de Ajuste de Conduta), fixado obrigações aos familiares e do empregador. “Se na esfera administrativa ocorrer resistência em solucionar a questão, do MPT fará o ajuizamento de ação civil pública para buscar a tutela judicial, impondo a esse explorador a observância da legislação de proteção da criança e do adolescente”, explica.

 

Jovem Aprendiz

O artigo 403 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), estabelece que a idade mínima para entrar no mercado de trabalho é 16 anos. Entretanto, existem a categoria Jovem Aprendiz, possibilitando essa inserção dos 14 aos 16 anos incompletos. Como trabalhador, pode ser atividade dos 16 anos 18 anos, desde que não seja em tarefas noturnas, perigosas e insalubres.

 

Mais de 2 mil acidentes de trabalho com crianças e adolescentes em uma década

A perspectiva da frequência dos acidentes de trabalho com crianças e adolescentes permite identificar, pelo exame da série histórica e da distribuição geográfica das ocorrências, a evolução quantitativa dos registros em seus números absolutos em diferentes intervalos de tempo. Em 10 anos (2012 a 202), foram registrados 2,1 mil acidentes de trabalho envolvendo crianças e adolescentes no Paraná. Neste mesmo período, foram 21 mil acidentes com esse público em todo o Brasil.

Consideradas as diferentes fontes de dados analisadas, busca-se desenhar um panorama de acidentalidade em diferentes unidades de análise, de acordo com a organização da federação brasileira e com foco especial em municípios, contexto político por excelência da implementação de políticas públicas. Ainda que em casos de trabalho permitido e com contrato de trabalho formal, trata-se de meninas e meninos que estão expostos a riscos à vida e ao seu desenvolvimento por meio do trabalho inseguro.

 

57,1% dos municípios do Paraná não têm CREAS

Com base no Observatório da Prevenção e da Erradicação do Trabalho Infantil no Paraná, alguns critérios são analisados para entender melhor a estrutura dedicada pelos municípios no enfrentamento destes problemas. Entre os destaques, o panorama mostra que 228 dos 399 municípios paranaenses não contam com atendimento do CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social), representando 57,1% dos municípios.

Entre os critérios avaliados, constam a existência de políticas de enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes; atendimento socioeducativo ao adolescente em conflito com a lei; política de combate ao uso de drogas entre crianças e adolescentes; ações ou medidas municipais de busca ativa de crianças e adolescentes fora da escola; ações ou medidas municipais para a diminuição da evasão escolar; centro de atenção psicossocial, CREAS e CRAS (Centro de Referência da Assistência Social).

Entre todas, as unidades do Ministério Público do Trabalho de Cascavel, são as únicas que atendem todos os critérios citados, conforme mostra o Observatório da Prevenção e da Erradicação do Trabalho Infantil no Paraná.

A comparação de diferentes localidades por meio de indicadores relacionados ao trabalho infantil tende a revelar elementos importantes para a priorização das ações ou programas e na alocação de recursos públicos voltados à proteção integral das crianças e adolescentes em situações de risco e vulnerabilidades.

Essa dimensão apresenta quadros comparativos como forma de sinalizar se os municípios se encontram em estado de alerta quanto a um rol de indicadores socioeconômicos relacionados ao trabalho infantil e suas consequências e à estrutura de políticas públicas e ações de promoção dos direitos de crianças e adolescentes. São criadas escalas de risco simples para os indicadores que em conjunto alertam para a necessidade de um olhar mais de perto sobre as vulnerabilidades das crianças e adolescentes no território, de modo a garantir os seus direitos fundamentais enquanto pessoa humana.

 

Declaração Universal

A garantia dos direitos fundamentais da criança e do adolescente enquanto pessoa humana tem sua origem na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948, e em outros documentos legais decorrentes da Declaração Universal dos Direitos da Criança e do Adolescente (1959), da Constituição Federal (1988), da Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (1989) e do Estatuto da Criança e do Adolescente (1990).

Com a aprovação da Lei Federal 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) são reconhecidos que os direitos e deveres da criança e do adolescente são de responsabilidades do Estado, da sociedade e da família. O compromisso com o futuro das novas gerações, passam a serem considerados dentro de um novo paradigma e concepção que reconhece a criança e o(a) adolescente como sujeitos de direito, pessoas em condição peculiar de desenvolvimento e prioridade absoluta no que se refere às políticas públicas, incluindo aí a destinação e liberação de recursos financeiros.

 

Pandemia agravou exploração do trabalho infantil no Brasil e números são alarmantes

Brasília – De janeiro a abril deste ano, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) resgatou 702 crianças e adolescentes do trabalho infantil, no Brasil. Desse total, a Auditoria Fiscal do Trabalho do MTE constatou que 100 (14%) eram crianças com até 13 anos de idade; 189 (27%) tinham 14 e 15 anos e 413 (59%) eram adolescentes de 16 e 17 anos. Na análise por gênero, 140 (20%) eram meninas e 562 (80%), meninos.

Segundo o ministério, no primeiro quadrimestre, os estados com mais registros de crianças e adolescentes encontrados em situação de trabalho infantil foram: Espírito Santo, 38 adolescentes entre 15 e 17 anos; Roraima, com 23 adolescentes de 13 a 17 anos; Alagoas, 19 crianças e adolescentes de 9 a 17 anos e Ceará, 14 jovens de 15 a 17 anos. As atividades econômicas em que foram constatados os maiores números foram: comércio e reparação de veículos automotores e motocicletas, serviços de alojamento e alimentação.

O diretor da OIT (Organização Internacional do Trabalho) no Brasil, Vinícius Carvalho Pinheiro, entende que a pandemia de Covid-19 agravou a situação do trabalho infantil no Brasil e no mundo e aponta os fatores. “A pandemia anulou todos os esforços que tinham sido feitos. Por um lado, houve uma crise econômica sem precedentes; por outro, houve fechamento das escolas, em localidades em que era muito difícil implementar políticas de ensino a distância. A combinação dos dois fatores foi a tempestade perfeita para o incremento do trabalho infantil.

O auditor fiscal do trabalho da Coordenação Nacional de Fiscalização para a Erradicação do Trabalho Infantil do TEM, Roberto Padilha Guimarães, confirma que o trabalho infantil cresceu após a pandemia. “A nossa impressão, as nossas ações de fiscalização e os dados que temos de diagnóstico, são de que o trabalho infantil aumentou no Brasil.”

 

Números nacionais

De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019, cerca de R$ 1,8 milhão de crianças e adolescentes, com idade entre 5 e 17 anos, estavam em situação de trabalho infantil no Brasil. Desse total, 706 mil estavam ocupadas nas piores formas de trabalho infantil (Lista  TIP).

O diretor da OIT/Brasil, Vinícius Carvalho Pinheiro, que participou do lançamento do Manual de Perguntas e Respostas sobre Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente, disse que políticas públicas integradas podem combater o trabalho infantil.

“De um lado, é importante ter uma política de trabalho decente para as famílias, porque, sem trabalho decente, aos pais e mães é mais difícil não expor as crianças [ao trabalho infantil]. Em segundo, políticas de proteção social, como o Bolsa Família, que condicionam o benefício à escola. A criança precisar estar matriculada e comparecer à escola para receber a renda. Ainda é fundamental que o Estado esteja presente com a oferta de políticas de educação de qualidade, associadas à fiscalização do trabalho. Por fim, claro, a educação de entidades representantes de trabalhadores, empregadores e da sociedade civil”, afirmou.

Foto: Arquivo/Agência Brasil

 

O que diz a lei?

No Brasil, a idade mínima para o trabalho é 16 anos. Entretanto, o trabalho dos adolescentes de 16 e 17 anos tem restrições: não pode ser insalubre, perigoso, noturno, penoso ou prejudicial à moralidade. Além disso, são proibidas atividades que causem prejuízos ao desenvolvimento físico, psíquico, moral e social e em horários e locais que não permitam a frequência à escola.  Pela legislação nacional, somente a partir dos 14 anos, o adolescente pode trabalhar como aprendiz, desde que observada a legislação que regulamenta a aprendizagem profissional.