O agronegócio enfrenta um momento crítico em 2026. Saiba mais sobre os desafios e as perspectivas do setor - Foto: Imagem/IA
O agronegócio enfrenta um momento crítico em 2026. Saiba mais sobre os desafios e as perspectivas do setor - Foto: Imagem/IA

Cascavel e Paraná - O agronegócio brasileiro entra em 2026 com um alerta cada vez mais sonoro: a quantidade de produtores e empresas buscando proteção judicial contra dívidas continua crescendo e não dá sinais de recuo no curto prazo. O avanço do endividamento, somado à perda de margem de lucro e à sucessão de choques que pressionam o campo, consolidou um ambiente de estresse financeiro que deve atravessar mais um ano antes de qualquer trégua concreta. Mesmo assim, especialistas enxergam um horizonte de reversão apenas em meados de 2027, quando a tendência de valorização das matérias-primas agrícolas e a esperada redução do custo do dinheiro poderão aliviar o caixa das companhias rurais.

Atualmente, o setor enfrenta sua fase mais crítica desde a adoção da Lei de Recuperação Judicial. Somente no terceiro trimestre deste ano, foram registradas 443 empresas do segmento em processo de recuperação — um salto de quase 68% frente ao mesmo período do ano anterior, conforme informações do Monitor RGF, da consultoria RGF&Associados. O volume é o maior já observado para um trimestre desde o início do estudo e indica um movimento estrutural de fragilidade financeira que não se limita a um recorte regional ou a culturas específicas, mas se espalha por cadeias inteiras do agronegócio.

A consultoria aponta ainda que o agro tornou-se, proporcionalmente, o ramo econômico com mais companhias em reorganização judicial. Dos mil empreendimentos rurais ativos mapeados, 12,63 estavam sob intervenção judicial no terceiro trimestre — índice amplamente superior aos 6,49 da indústria de transformação e muito distante da média brasileira, de 2,04. “O patamar elevado não é fruto de um único fator, mas de uma combinação estrutural que amplifica os riscos”, explica Rodrigo Gallegos, sócio da RGF&Associados. Ele destaca quatro elementos centrais: a necessidade intensa de capital, que leva a dívidas volumosas; a vulnerabilidade simultânea a mudanças de preços, clima e câmbio; financiamentos desajustados ao prazo das operações; e limitações de gestão que persistem em empresas familiares.

O Monitor RGF revela também que, das oito empresas do agro que deixaram a recuperação judicial no terceiro trimestre, metade acabou não resistindo e encerrou as atividades. As demais conseguiram retomar a operação sem supervisão da Justiça, mas ainda em um cenário de forte tensão financeira. Para Gallegos, o ritmo atual de pedidos é reflexo de decisões tomadas ao longo da década passada, quando, diante de margens generosas e exportações em alta, produtores e agroindústrias ampliaram investimentos, muitas vezes ancorados em endividamento acelerado. “A partir daí, eventos climáticos severos, oscilações de mercado e pressões cambiais comprimiram receitas e elevaram custos financeiros, fazendo o passivo crescer além do previsível”, analisa.

Com a taxa básica de juros ainda em 15% e oferta restrita de crédito produtivo, ele avalia que o número de pedidos de recuperação deve continuar avançando nos próximos meses. A acomodação, segundo o especialista, só deve aparecer mais perto do fim de 2026 — e, de modo mais consistente, em 2027 — quando a Selic poderá retornar a um dígito e instrumentos de prevenção à insolvência tendem a ganhar espaço.

Produção limitada e margens comprometidas

O economista Fábio Silveira concorda com a projeção de uma travessia longa antes da estabilização. Para ele, o estrangulamento financeiro atual comprometerá a expansão da produção já em 2026, tanto pela dificuldade de abertura de novas áreas quanto pela ausência de sinais de melhora nos preços das commodities ou de redução dos insumos. Segundo Silveira, os valores pagos pelos produtos agrícolas seguem historicamente baixos e não há indicativos de reação capaz de reverter a queda da rentabilidade no ano que vem. “A situação impede qualquer retomada robusta de crescimento, estagna investimentos e trava planos de expansão”, afirma.

Ele defende maior participação do governo na concessão de subsídios, citando que países concorrentes do Brasil, como os Estados Unidos, dispõem de mecanismos mais amplos de apoio ao produtor. No Brasil, apesar das renegociações recentes conduzidas pela União com agricultores afetados por intempéries, o alcance dessas medidas é limitado e não resolve o quadro de forma estrutural.

A advogada Camila Crespi, especialista em reorganização empresarial, acredita que o ritmo elevado de pedidos continuará em 2026. Para ela, o debate sobre insolvência rural precisa avançar, especialmente em relação à modernização da governança no campo. Crespi destaca que métodos alternativos de resolução de conflitos, como a mediação empresarial, podem evitar judicializações prolongadas, embora muitos produtores ainda optem pela recuperação judicial por conta da proteção patrimonial temporária.

Cybelle Guedes Campos, sócia do escritório Moraes Junior Advogados, reforça que quem ingressa em processos de reestruturação precisa adotar práticas mais rígidas de gestão, com controle minucioso de preços, custos e planejamento de longo prazo. Ela observa que a pressão atual tem funcionado como um acelerador da profissionalização no campo e também tem induzido mudanças no comportamento dos credores, que agora realizam análises de risco mais rigorosas — ainda que, nas renegociações extrajudiciais, exista maior flexibilidade e tempo de resposta menor. Segundo a especialista, esse formato extrajudicial pode ser vantajoso por evitar a burocracia e o custo de uma recuperação formal, embora não substitua totalmente a busca pelo Judiciário em situações extremas.

Um ano de resistência

O retrato final do setor é de um ambiente que seguirá pressionado em 2026, com endividamento elevado, margens estreitas e poucas oportunidades de retomada imediata. Ainda assim, a expectativa é que, com juros menores, clima mais favorável e mercados internacionais mais aquecidos, o ciclo negativo comece a perder força a partir de meados de 2027. Até lá, a palavra de ordem no campo será resistência — com ajustes profundos e decisões difíceis, mas necessárias, para que o agronegócio avance novamente em bases mais sólidas.