
Cascavel e Paraná - A decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de encerrar o tarifaço imposto a uma lista de produtos brasileiros marca o início de um novo ciclo para as exportações do País. O alívio tarifário atinge diretamente setores como carne bovina, café e frutas, três dos principais itens da pauta exportadora brasileira para o mercado norte-americano. A medida deve provocar um movimento rápido de retomada, mas os efeitos mais duradouros — e os próximos passos — dependerão do cenário internacional e das escolhas políticas do governo americano nas próximas semanas.
Em entrevista à equipe de reportagem do Jornal O Paraná, o consultor de risco da StoneX, Leonardo Martini, comentou que a reação inicial será imediata e intensa. “O efeito é imediato na cadeia. Todos esses produtos que tiveram a tarifa zerada agora vão ser beneficiados. A gente deve ver uma recuperação muito forte da exportação de carne e café, principalmente”, afirma. Segundo ele, o impacto será percebido tanto pelos exportadores brasileiros quanto pelos importadores americanos, que voltam a ter acesso a produtos mais competitivos.
Martini destaca que a decisão não é um gesto isolado de aproximação comercial, mas parte de uma estratégia interna de Trump para conter a inflação nos Estados Unidos. “Isso é muito mais um movimento interno para tentar segurar a questão inflacionária, que está batendo forte lá. A cesta de alimentos influencia muito a inflação americana”, explica. Com a inflação ainda acima da meta — perto de 3%, quando o objetivo é 2% —, o governo busca alternativas para reduzir custos, aliviar a pressão sobre consumidores e, ao mesmo tempo, abrir caminho para um possível corte de juros.
A curto prazo, o consultor vê condições favoráveis para uma aceleração das vendas externas brasileiras. “Este fim de ano tende a dar uma acelerada boa nas exportações desses produtos, e isso acaba ajudando também a balança comercial brasileira, com uma entrada de capital um pouco maior”, avalia. No entanto, ele pondera que o câmbio não deve sentir esse impacto com a mesma intensidade devido ao comportamento global dos investidores. “Sinceramente, não acredito que isso vá efetivamente acontecer porque a gente está presenciando uma fuga de risco. O mundo está olhando outras situações”, diz.
Próximos rumos
O que mais chama atenção, porém, são os próximos movimentos após o fim do tarifaço. Para Martini, o gesto atual pode ser apenas o primeiro passo de um processo mais amplo de reaproximação comercial entre os dois países. “Acredito que é um sinal de avanço e isso deve se concretizar nas próximas semanas. Os Estados Unidos devem remover essas tarifas também de outros produtos”, projeta. Itens como tilápia e madeira, por exemplo, seguem fora do pacote de isenções e continuam enfrentando dificuldades para acessar o mercado americano.
Caso novas rodadas de reduções tarifárias sejam anunciadas, o Brasil poderá recuperar espaço em cadeias onde havia perdido competitividade e reforçar sua presença em um dos maiores mercados consumidores do mundo. Isso significa mais previsibilidade para exportadores, retomada de contratos que haviam sido engavetados e possível redirecionamento de fluxos logísticos para atender à crescente demanda.
Além disso, a perspectiva de continuidade desse movimento abre uma janela estratégica para o agronegócio brasileiro planejar 2026 com expectativas mais claras. A ampliação do acesso ao mercado americano pode estimular investimentos, ampliar plantas industriais exportadoras e fortalecer negociações bilaterais em frentes que estavam travadas pela disputa tarifária.
Martini avalia que a reversão completa do tarifaço enviaria um sinal de estabilidade importante em um momento global de alta volatilidade. E, embora os efeitos macroeconômicos ainda dependam de fatores externos, o impacto direto sobre as cadeias produtivas brasileiras já é considerado certo. “O aumento das exportações desses produtos é um benefício claro. O Brasil volta a exportar, e os Estados Unidos retomam o abastecimento de produtos nos quais somos grandes fornecedores”, resume.
Com a interrupção do tarifaço e a expectativa de novos anúncios em breve, o Brasil entra novamente na rota do mercado americano com maior força — e as próximas semanas devem ser decisivas para definir até onde esse reequilíbrio comercial pode avançar.
Alívio tarifário reposiciona agro nos EUA, mas ritmo de recuperação segue incerto
A decisão dos Estados Unidos de derrubar as tarifas adicionais de 40% sobre produtos do agronegócio brasileiro encerra um período de perdas relevantes para o setor. Entre agosto e outubro, os embarques deixaram de gerar cerca de US$ 240 milhões, segundo dados do Comex Stat, diferença em relação ao mesmo intervalo de 2024, quando o tarifaço ainda não afetava as vendas.
Foram impactadas as exportações de café, carne bovina, água de coco e frutas frescas — como banana, melão, mamão e manga. O comportamento seguiu padrão semelhante: um primeiro semestre aquecido até julho de 2025, seguido de forte retração a partir de agosto, quando as sobretaxas impostas pelo presidente americano Donald Trump passaram a valer. As frutas frescas já vinham em queda antes mesmo das medidas.
Para o economista-chefe da MB Associados e consultor da ABAG, Sérgio Vale, o momento exige atenção ao ritmo de recomposição dos embarques. “A perspectiva é de melhora, mas será necessário comparar volumes antes e depois das tarifas para identificar perdas definitivas ou apenas adiamento de negócios.” Já Bruno Corano, economista da Corano Capital, destaca um efeito indireto: a busca por novos mercados. “Houve ganhos pela diversificação, mas o café pode sofrer pressão adicional de preços.”
Os números mostram o impacto: entre janeiro e julho, as vendas de café cresceram 34,6%, passando de US$ 966,7 milhões (2024) para US$ 1,3 bilhão (2025). Após o tarifaço, houve retração de 16,7%, caindo de US$ 428,3 milhões para US$ 356,7 milhões. A Cecafé avaliou que a reversão evita perda estrutural de espaço em blends e contratos.
Na carne bovina, a dependência americana foi determinante. Com o rebanho dos EUA em queda e consumo em alta, o Brasil viu as vendas mais que dobrarem no primeiro semestre — alta de 118%, saindo de US$ 395 milhões (2024) para US$ 861,6 milhões (2025). No trimestre das tarifas de 50%, porém, houve tombo de 53,7%, reduzindo os embarques de US$ 297,5 milhões para US$ 137,9 milhões. Abiec e Famato comemoraram a retirada das sobretaxas, apontando reforço à competitividade e estabilidade comercial.
A água de coco também cresceu no ano, com alta de 54,9% entre janeiro e julho — de US$ 24,4 milhões para US$ 37,8 milhões. Mas entre agosto e outubro houve queda de 25%, para US$ 13,7 milhões. As frutas frescas enfrentam o cenário mais difícil: queda de 26,2% no primeiro semestre e retração adicional de 14% no período tarifado. Embora o faturamento tenha diminuído, o volume embarcado cresceu 36% devido à queda de 38% no preço médio por quilo.
Com a retirada das tarifas, o agronegócio brasileiro volta a respirar. Agora, o desafio é medir o ritmo de recuperação, avaliar mudanças de destino comercial e acompanhar se a reabertura americana devolverá ao setor o dinamismo interrompido desde agosto.