O que o comportamento de um jogador de futebol americano tem a ensinar a um ponta de um time de futebol? Muito mais do que se imagina. Assim como o movimento ofensivo de um time de rúgbi de elite, como a seleção da Nova Zelândia, os All Blacks, desperta a atenção de um treinador como Pep Guardiola.
Seja pelo entendimento de que o estudo do futebol se aprofundou a tal ponto que a busca por inovações se tornou muito difícil, seja pela natural pesquisa por meios de surpreender rivais em um esporte em que times são minuciosamente estudados, o fato é que, com uma frequência surpreendente, tem se tornado habitual beber na fonte de outras modalidades.
Profissionais de futebol se espantam menos do que o público ao ver o Independiente, da Argentina, treinado por Ariel Holan, ex-técnico de hóquei na grama. Ou a Ferroviária, de Araquara, nas mãos do técnico da seleção brasileira de futsal, PC Oliveira. As interações do futebol têm ocorrido, especialmente, com esportes em que times busquem uma progressão com a bola em direção ao campo contrário. Mas mesmo modalidades com naturezas distintas têm oferecido subsídios a analistas táticos, inclusive de clubes brasileiros.
Info – outros campos influência jogadas
Em relação a boa parte dos esportes mais populares, o futebol guarda uma diferença fundamental: não tem ciclos predefinidos. Ou seja, a jogada não é constantemente interrompida e reiniciada com a bola parada, numa sequência prevista de saque e devolução ou, ainda, com tempo de posse de bola delimitado. A natureza mais caótica do jogo cria a sensação de um esporte único, incapaz de buscar soluções em outros campos.
Não é o que ocorre. Analista de desempenho do Grêmio, Eduardo Cecconi estuda taticamente o futebol americano e busca situações aplicáveis ao futebol.
? Esportes coletivos em que há a busca por progressão no campo adversário e ocupação do espaço podem ter soluções úteis ao futebol ? avalia.
Em seguida, cita uma situação particular do jogo americano que guarda relação direta com movimentos do futebol.
? O futebol americano tem os wide receivers, receptores que são lançados perto da linha lateral. Usam mudanças de direção na corrida para fazer o marcador correr na direção errada, fingem que vão para o meio e correm para o fundo. Se isto for trabalhado com os pontas, que quase todo time brasileiro usa, e com o lançador, pode ser útil. Os pontas costumam correr só em linha reta. No Brasil, há muita marcação por encaixe individual. Livrando-se do marcador, o atacante terá espaço.
GUARDIOLA GOSTA DE RÚGBI
Cecconi lembra que, tanto o futebol americano quanto o basquete usam bloqueios, ou seja, lances em que, de forma programada, um jogador se interpõe entre o defensor e o companheiro de time para lhe dar liberdade. Segundo ele, o recurso é útil em bolas paradas, como escanteios:
? O Grêmio já fez e levou gols assim.
No livro ?Pep Guardiola, a evolução?, do jornalista Marti Perarnau, o treinador revela seu interesse pela movimentação ofensiva do rúgbi. ?O melhor momento de ataque pertence ao rúgbi. Eu ataco você e divido?, diz o treinador. Refere-se à troca de passes pelo centro seguida por uma bola aberta para o lado do campo, onde há um jogador livre, o que abre a defesa adversária. Guardiola cita, ainda, a ocupação do campo rival, seja com a bola, seja pressionando o adversário contra o próprio gol. O conceito de atacar não implica, necessariamente, em ter a bola, mas estar no campo inimigo. ?Soa como um rúgbi total, é preciso tirar alguma lição disso?, diz.
O ganho de território é o que faz o técnico do Atlético-MG, Roger Machado, se interessar por rúgbi. Seu auxiliar, Roberto Ribas, brinca que tenta convencê-lo a ver futebol americano. Ribas busca também exemplos no basquete. E diz que outros esportes coletivos oferecem lições importantes.
? Basquete, futsal e handebol, embora tenham menos interações, porque têm menos jogadores, têm um alvo: você precisa fazer chegar ao outro lado da quadra, fazer gol ou ponto e não levar. Todos têm organização e transições: ora se está atacando, ora defendendo. E as defesas, como no futebol, são individuais, por zona ou mistas. Observo muito como se organizam ? explica.
DO SALÃO AO CAMPO
Na Argentina, um dos mais tradicionais clubes do país é dirigido por Ariel Holan, durante dez anos treinador de equipes de hóquei na grama, entre elas a seleção feminina do Uruguai. O estilo ousado e ofensivo que implantou no Defensa Y Justicia chamou a atenção do Independiente.
? O aspecto mais transferível é a disposição tática, a ocupação de espaços, o modelo de passe e recepção. Quando havia impedimento e só duas substituições, a simetria era maior ? disse Holan, em entrevista ao jornal argentino ?La Nación?.
Ele entende, no entanto, que é na observação do futebol que treinadores devem buscar soluções.
? Estudar Cruyff, o Barcelona de Messi, os trabalhos de Guardiola, Klopp, Mourinho, Bielsa, Simeone e Sampaoli, seus processos, mostram que a solução do futebol está no futebol, embora outras vertentes possam contribuir ? disse.
Se há um consenso entre estudiosos do futebol, este é que, com o crescimento da velocidade do jogo e a redução de espaços no campo, a tomada de decisão dos jogadores passou a ser decisiva para o funcionamento de um time. É o que PC Oliveira, técnico da seleção brasileira de futsal, pretende levar para o campo. Ele assumiu, em fevereiro, a Ferroviária, que disputa o Campeonato Paulista.
? O futsal é especialista no treinamento de pouco espaço ? disse Oliveira, valorizando o que chama de aceleração do processo de decisão. ? Trabalhamos para que isso seja feito sem que os jogadores dependam do sistema e do treinador. Que eles resolvam os problemas o mais rapidamente possível ? disse Oliveira, em entrevista ao jornal ?Estado de S. Paulo?.