RIO ? Rodrigo Ferrari vê seu estabelecimento, fincado na estreita Rua do Ouvidor desde 2004, como uma livraria especializada em temas cariocas. Amante de esportes, escolheu a jogada imortalizada por Didi para batizar o espaço: Folha Seca. Agora, de uma só vez, foi impedido de celebrar dois de seus temas preferidos, o Rio e o esporte: A organização da Rio 2016 notificou a loja para que retirasse da vitrine um cartaz onde constava a palavra “olímpico”. Fica essa sensação de não poder comemorar o fato da Olimpíada acontecer na nossa cidade
Em 2009, por ocasião do bicentenário de Paula Brito, Ferrari se uniu ao cartunista Cassio Loredano para homenagear o primeiro livreiro carioca. Desde então, as caricaturas de Loredano enfeitam banners produzidos anualmente, que já honraram o compositor e caricaturista Nássara, o escritor Nelson Rodrigues, o cantor Orlando Silva e a seleção brasileira.
Entretanto, a homenagem ao bicampeão olímpico de salto triplo Adhemar Ferreira da Silva (1927-2001) foi proibida por infringir os direitos dos Jogos Olímpicos. No banner que causou o problema, lê-se: “2016 Ano olímpico Adhemar Ferreira da Silva na Folha Seca”.
? Fica essa sensação de não poder comemorar o fato da Olimpíada acontecer na nossa cidade ? lamenta Ferrari, que foi notificado pela Rio 2016 por um e-mail. A organização não o procurou pessoalmente nem por telefone.
O empresário acredita ter caído no radar olímpico por usar a imagem criada para divulgar, pelo Facebook, um evento celebrando o dia do choro, em 23 de abril. Um dia antes, chegou a notificação e, com medo de uma possível represália, Ferrari apagou as menções à palavra “olímpico” do perfil da livraria na rede social. Entretanto, ele ainda não sabe que atitude vai tomar com relação ao banner, que às vezes volta a adornar a vitrine.
? Vários amigos que frequentam aqui se colocaram à disposição para ajudar, dizendo que eu deveria processar, já que não estou me aproveitando disso comercialmente. A ideia era só fazer essa homenagem ao Adhemar. Se vai ter Olimpíada na minha cidade, eu não posso dizer que ela é olímpica? ? questiona.
O artista Loredano, responsável pelo desenho do banner proibido, onde o esportista aparece de braços abertos em meio a um salto, acredita que o comitê poderia ter sido mais flexível:
? Eu acho perfeitamente ridículo o comitê achar que é dono da palavra “olímpico”. Todo ano a livraria coloca um banner. Em 2014 foi o Pelé, ano da seleção brasileira. Imagina se a CBF viesse dizer que “seleção” é um nome registrado? Está no dicionário: “olímpico”. Esse desenho é para botar na memória do Brasil, que é um país desmemoriado, o maior campeão olímpico do Brasil. A Rio 2016 não iria ganhar um vintém com isso.
Já o deputado estadual Eliomar Coelho (PSOL), que em 2011 concedeu a medalha Pedro Ernesto a Rodrigo Ferrari por seu trabalho de revitalização da área da Praça XV, classificou a atitude da Rio 2016 como “um absurdo”.
? Como você vai intervir numa atividade de trabalho? O protocolo de intenções que o Brasil assinou para realziar as Olimpíadas no país não pode estar acima da Constituição de 1988 ? disse o político, que pretende usar a tribuna da Alerj para denunciar o que considera um “erro” na legislação.
A lei 13.284, de 10 de maio de 2016, diz que as denominações “Jogos Olímpicos”, “Jogos Paraolímpicos”, “Jogos Olímpicos Rio 2016”, “Jogos Paraolímpicos Rio 2016”, “XXXI Jogos Olímpicos”, “Rio 2016”, “Rio Olimpíadas”, “Rio Olimpíadas 2016”, “Rio Paraolimpíadas” e “Rio Paraolimpíadas 2016”, assim como demais abreviações e variações criadas com o mesmo objetivo são símbolos oficiais, portanto, estão sob proteção do regime especial de registro de marcas.
Procurada, a assessoria da Rio 2016 explicou que os únicos com permissão de associar o nome às Olimpíadas são os patrocinadores oficiais do evento. O departamento de proteção às marcas realiza um monitoramento constante da internet e redes sociais para identificar possíveis usos indevidos dos símbolos dos Jogos, avisando eventuais infratores por e-mail. Caso identifiquem o uso persistente de uma das marcas protegidas, medidas judiciais podem ser tomadas.
A entidade explicou que a referência a 2016 como um “ano olímpico” constitui “marketing de emboscada”, ou seja, cria uma falsa associação entre a livraria e os Jogos de 2016.