SÃO PAULO ? Preso no Carandiru em 1991, acusado de roubo, o pastor evangélico Jacy Lima de Oliveira, de 52 anos, reluta em acreditar que a justiça de São Paulo anulou as condenações pelo massacre do presídio, que deixou 111 detentos mortos por policiais no ano seguinte. A estudante Vera Neide de Souza Guedes, de 51 anos, chega a perguntar algumas vezes se a notícia é verdadeira, prevendo em seguida “mais alguns anos de briga” com a justiça para conseguir uma indenização para seu irmão. Condenado por roubo na época, ele teria desenvolvido esquizofrenia após sobreviver ao episódio.
Sem perspectivas de presenciar uma reparação do Estado pelo massacre, a dupla chega a falar em “justiça divina” para os 74 policiais militares que haviam sido condenados em primeira instância por envolvimento no caso.
– Fui preso por engano e quase morri por causa desse massacre. Ainda hoje tenho sequelas das pancadas que levei dos policiais. Sinto dores ainda e tenho traumas psicológicos. Isso é uma injustiça – afirma Oliveira, que chegou a escrever um livro relatando o episódio.
O pastor conta que estava no quarto andar do presídio quando começou uma rebelião entre os presos. Ao que os policiais entraram no local, segundo ele, a maioria dos detentos já se encontrava dentro das celas, mas ainda assim os agentes começaram a atirar a esmo:
– Eles (os policiais) foram os causadores daquilo tudo. Até hoje escuto gritos. A imagem dos corpos empilhados não sai da minha mente. Mas eles vão pagar. Se não for na justiça dos homens, será na de Deus. Dessa ninguém escapa. Aquilo que o homem planta ele colhe. Não viu como o coronel Ubiratan morreu, de forma trágica? Aquilo foi justiça de Deus – aponta ele, lembrando o assassinato do coronel da PM Ubiratan Guimarães, responsável pela invasão, em 2006.
O irmão de Vera, Alexandre, hoje com 43 anos, também foi preso no Carandiru no ano anterior ao do massacre, por roubo. Ela conta que o caçula sobreviveu à tragédia porque escorregou ao pisar no sangue dos detentos e ali ficou, deitado no chão. Após o episódio, de acordo com Vera, ele passou a ter problemas psicológicos e hoje toma remédios para esquizofrenia. Alexandre ainda ficou preso no Carandiru até 2002.
– Ele já não é muito de falar, porque entra em choque quando lembra, mas diz que escorregou no meio da confusão e ficou no chão. Judiaram muito dele. Meu irmão errou, pagou pelo que fez, mas não precisava ser dessa maneira – lamenta Vera.
De acordo com a estudante, Alexandre mudou o comportamento e foi transferido para o manicômio judiciário pelo menos três vezes após o episódio. Diz ainda que tenta, há alguns anos, uma indenização do Estado:
– É muito difícil passar por isso tudo. Meu irmão está praticamente vegetando. Você tenta fazer o bem e é prejudicada pelos maus, mas a justiça de Deus não falha.