WASHINGTON ? A filantropia nem sempre é aliada na hora de pedir votos. Donald Trump e Hillary Clinton sofrem com controvérsias das fundações que levam seus sobrenomes. A democrata é acusada de tráfico de influência, enquanto o republicano, de fraudes. Embora os dois casos sejam bem diferentes, a falta de transparência comum às duas instituições ajuda a elevar a rejeição aos dois candidatos, justamente no país onde a ajuda e o trabalho voluntário são considerados algo quase sagrado, afetando as pesquisas e ampliando as incertezas para as eleições de 8 de novembro.
Sobre a Fundação Clinton pesa a acusação de que a agenda da instituição cruzava com a de Hillary, quando ela era secretária de Estado. O próprio Departamento de Estado investigou doações de oligarcas russos e governos como o da Arábia Saudita. No final, nada se provou ilegal, embora críticos considerem a atuação imoral. A instituição recebeu mais de US$ 2 bilhões de diversas pessoas, empresas e países, para seus programas.
Um cruzamento da AP mostrou que, muitas vezes, doadores da fundação eram recebidos, alguns dias depois, pelo gabinete da secretária de Estado. Mas o levantamento comprova o nexo entre as duas ações e se as pessoas conseguiram o que queriam. Mas foi o suficiente para aumentar as críticas, inclusive dentro do Partido Democrata, de pessoas afirmando que a candidata nunca separou muito bem interesses privados de suas atividades públicas.
Há ainda o fato incômodo de o braço direito de Hillary, a assessora Huma Abedin, ter acumulado, por seis meses em 2012, um cargo no gabinete da democrata com um emprego na instituição.
Já para Trump, as acusações são mais objetivas. Segundo o ?Washington Post?, a procuradoria de Nova York afirma que sua fundação não tinha autorização para pedir doações. Outras investigações apontam que não há provas de caridades que ele teria feito. Alguns o acusam de ter usado o instituto com fins próprios, comprando bens isentos de impostos. Também teria conduzido negócios com a fundação e recebido doações de pessoas e organizações que apenas se serviram da pessoa jurídica da instituição.
Os dados de sua fundação são mais fechados, e Trump não gosta de falar sobre o assunto ? da mesma forma que ainda não abriu seus dados fiscais pessoais, algo que não ocorria há 40 anos entre os principais candidatos.
COMPARAÇÃO COM LULA
Para Juan Carlos Hidalgo, analista do Centro Global de Liberdade e Prosperidade (Cato), baseado em Washington, os dois casos são muito sérios e ?comprovam a falência moral? dos partidos dos EUA, que aceitaram candidatos com tantos problemas éticos:
? Parece que os dois estão seguindo a cartilha dos escândalos da América Latina. Trump se parece muito com um caudilho, enquanto Hillary vive uma situação clássica de tráfico de influência ? disse ele. ? A situação dela é parecida com a do ex-presidente Lula, com seu Instituto Lula, acusado de receber recursos de grandes empresas em troca de influência. E ambos tinham a pretensão de se candidatarem à Presidência, pois Lula pretendia voltar em 2018, o que torna os escândalos, nos dois casos, ainda mais complicados.
Hidalgo acredita que a situação de Hillary é pior que a de Trump. Para ele, o tipo de desvio ético não é aceitável por parte da democrata, que sempre ocupou cargos públicos.
? A questão ética e a falta de transparência é algo muito complicado para o casal Clinton. Bill, que como ex-presidente cobrava US$ 200 mil por palestra, aumentou para US$ 700 mil assim que Hillary foi nomeada secretária de Estado por Obama. E a fundação do casal não respeitou limites impostos pelo presidente para abrigar Hillary em seu governo.
Peter Schechter, diretor do Centro Adrienne Arsht para a América Latina, do Atlantic Council, considera o caso de Trump mais sério.
? São situações que não se parecem. A Fundação Clinton tem mais de uma década de atuação e é reconhecida por ações relevantes. Ela é criticada por aceitar recursos de outros países, mas quase todas as fundações dos EUA aceitam. Não se vê um caso de delito, como parece existir na obscura instituição de Trump.
Apesar dos escândalos, para ele, nenhum dos casos deve ter grandes impactos nas eleições:
? Trump foi acusado de coisas muito piores, e isso parece não importar seus apoiadores. Já o caso de Hillary é antigo. Não acredito que tenha havido, de fato, tráfico de influência, pois, com esta eleição tão pesada, isso já teria vindo à tona. O que há são apenas ilações ? avaliou.
Megan O?Neil, editora do ?Chronicle of Philanthropy?, veículo especializado em ONGs, disse ao GLOBO que há bons controles, em tese, sobre estas instituições, apesar da falta de pessoal e de orçamento de alguns órgãos para combater fraudes:
? O nível de interesse na caridade de Hillary e Trump na eleição é sem precedentes na história eleitoral dos EUA. Normalmente, doações dos candidatos recebem pouca atenção. Eles liberam suas declarações de impostos, que mostram qual o percentual dos seus rendimentos dados para caridade, e aí termina tudo. Não é o caso este ano. Será interessante ver se isso cria qualquer suspeita mais ampla ou controle para outras fundações e instituições.