RIO – A Première Brasil teve o seu dia de cinema comercial na noite desta segunda-feira, com a exibição da ficção “Sob pressão”, de Andrucha Waddington, e do documentário “A luta do século”, de Sérgio Machado. Os dois longas, de linguagem de fácil digestão, foram muito bem recebidos na quarta noite de mostra competitiva do Festival do Rio, com intensos aplausos. Links FestRio 1110
O novo filme de Waddington (“Casa de areia”, “Eu tu eles”) é um thriller médico que mostra logo a que veio em seus primeiros minutos de projeção, em que um plano sequência retrata Evandro (Júlio Andrade) no final de um turno claramente cansativo ? o médico treme e carrega olheiras, enquanto se senta para tomar um café, com o dia já amanhecendo. O breve sossego é interrompido com uma emergência: um policial e um bandido chegam ao hospital gravemente feridos. Os desdobramentos dos próximos 90 minutos do filme mostram que, na verdade, “cansativo” é uma palavra que não chega perto de descrever a rotina de Evandro.
Ambientado num hospital fictício brasileiro, “Sob pressão” se propõe a explorar as agruras do sistema público de saúde. O hospital da trama está localizado exatamente numa zona de conflito, como os pacientes recém-chegados deixam bastante claro. Policial e bandido estão prestes a morrer, e a reduzida equipe médica precisa escolher qual dos dois salvar primeiro.
Se é que dá para salvar alguém: a instituição sofre com falta de equipamentos; os aparelhos não funcionam; não há estoque de sangue; boa parte das máquinas está quebrada; leitos não estão disponíveis etc. Em suma, as condições são calamitosas. Calma que piora: o capitão da Polícia Militar, Samuel (Thelmo Fernandes), se intromete no meio do caos para pressionar os cirurgiões a cuidar primeiro de seu colega, ferido com uma bala na cabeça, a despeito do fato de que o policial está numa condição “melhor” que a do criminoso. Evandro, chefe da chamada Unidade Vermelha, insiste para fazer a coisa certa, mas o PM tem clara influência sobre a nova administradora (Andréa Beltrão) e o diretor do hospital (Stepan Nercessian).
Calma que piora mais: uma criança ferida por uma bala perdida no tiroteio no morro ali perto chega justamente ao mesmo tempo. O menino é filho de um influente dono de jornal, que ameaça acabar com a reputação do lugar caso o garoto não seja tratado antes dos outros. Ah, sim, o hospital só tem dois centros cirúrgicos.
Esse texto poderia ter muitos outros “calma que piora”, mas falar mais do que isso seria dar spoiler. Digamos, apenas, que os médicos fazem muito malabarismo e dão muitos “jeitinhos” na corrida para salvar os seus pacientes.
Tecnicamente, “Sob pressão” segue a cartilha dos mais tradicionais filmes de ação: a câmera de Waddington é tremida; a trilha sonora de Antonio Pinto é cheia de percussão; a montagem de Thiago Lima é acelerada. O que diferencia o longa de outras produções médicas são as particularidades brasileiras inseridas na trama, ainda que o fator sociopolítico seja apenas um pano de fundo.
Filmado na Santa Casa de Misericórdia, em Cascadura, “Sob pressão” é menos um filme de denúncia do que um drama humano sobre pessoas trabalhando em condições adversas. O roteiro de Renato Fagundes e Leandro Assis é inspirado no livro “Sob pressão ? A rotina de guerra de um médico brasileiro” (Foz Editora), em que Marcio Maranhão relata à jornalista Karla Monteiro alguns dos episódios reais mais dramáticos por que passou durante seus 15 anos de atuação em hospitais municipais e estaduais do Rio. Maranhão, assim como parte do elenco principal ? que inclui ainda Ícaro Silva, Marjorie Estiano e Julia Shimura ?, estavam presentes na sessão.
? O filme fala por si só. Fala de um assunto importante para a gente colocar em pauta ? limitou-se a dizer o cineasta.
Mas o grande destaque da noite foi mesmo o documentário de Sérgio Marchado ? de longe o mais bem recebido da Première Brasil até agora, tornando-se forte candidato ao troféu Redentor pelo júri popular. “A luta do século” foi ovacionado de pé durante longos minutos. O filme relata a histórica (e divertida) rivalidade dos pugilistas Reginaldo “Holyfield” e Luciano “Todo Duro”, que durante anos foram considerados os melhores lutadores de seus estados (Bahia e Pernambuco, respectivamente). A hostilidade entre eles era tanta que migrou para fora dos ringues: o documentário recorre a imagens de arquivo em que ambos partem para socos durante coletivas de imprensa.
O filme retrata ainda o “acerto de contas final” entre Holyfield e Todo Duro, que, já aposentados, concordam em lutar mais uma vez diante das câmeras. Os dois ex-boxeadores estavam presentes na sessão, e imediatamente se tornaram as estrelas da noite. Bem-humorados, eles se levantaram nos créditos finais e pediram ainda mais palmas do público. No tapete vermelho, Todo Duro garantia que “esse filme será um estouro de bilheteria”, enquanto Holyfield prometia, aos risos, “dar uma surra nesse cara, dessa vez não tem juiz para me parar”.
? Queria pedir para vocês dois não brigarem ? brincou o ator Lázaro Ramos, um dos produtores do filme. ? A história deles tem muito humor, mas, acima de tudo, superação.
? O filme era para ser sobre dois lutadores que se aposentaram, mas virou uma história sobre recomeço de carreira ? completou o diretor Sérgio Machado.
Também foram projetados os curtas “Se por acaso”, de Pedro Freire, e “O ex-mágico”, de Olimpio Costa e Mauricio Nunes. A Première Brasil continua nesta terça-feira com a exibição, em competição, do documentário “Curumim”, de Marcos Prado, e da ficção “O filho eterno”, de Paulo Machline.