Nos debates durante a campanha que culminou com o chamado Brexit ? a decisão do Reino Unido de deixar a UE ?, a questão da imigração foi uma constante. Enquanto figuras de prestígio do Partido Conservador, como o ex-prefeito de Londres Boris Johnson, invocavam a grandeza histórica da pátria para justificar a separação, o líder do populista Partido da Independência do Reino Unido (Ukip, na sigla em inglês), Nigel Farage, atribuía as dificuldades do país à presença de imigrantes, sobretudo do Leste da Europa. Não à toa, após o resultado do plebiscito, o Reino Unido foi abalado por uma onda de incidentes de caráter xenófobo.
O apertado resultado do plebiscito ? 52% a 48% dos votantes ? mostra que a decisão de deixar a UE está longe de ser folgada. A opção pelo Brexit foi tomada pela parcela da população com mais de 45 anos , que compareceu em massa às urnas. Muitos dos quais se arrependeram depois, segundo a imprensa local. Entre os eleitores com até 24 anos, 73% optaram por permanecer na UE, assim como a maioria dos britânicos com maior escolaridade e residentes de metrópoles.
Seja como for, a vitória do Brexit é reveladora de um sentimento que subjaz à cultura europeia como um todo e que vem alimentando líderes populistas e xenófobos, com propostas eurocéticas de fechamento de fronteiras e construção de muros. O ódio ao imigrante baseia-se na fantasia de que ele ?invade?, ameaça valores culturais nacionais e rouba efetivamente as oportunidades dos ?nascidos e criados? no país.
Nesse sentido, a vitória do Brexit representa um perigoso retrocesso histórico contra a ordem mundial de uma maior integração, instaurada após a queda do Muro de Berlim. Mas está longe de ser um fato isolado na Europa.
Protegido por acordos especiais, o Reino Unido se manteve relativamente blindado da maior crise humanitária desde a Segunda Guerra Mundial, configurada pelo fluxo de refugiados de Síria, Iraque e Afeganistão à Europa. Isso não evitou que as imagens de refugiados atravessando os Bálcãs fossem usadas na campanha pró-Brexit do Ukip.
O discurso do ódio apela ao medo irracional das pessoas e obscurece as estatísticas sociais que contradizem tais visões, mostrando o papel dos imigrantes na configuração de uma economia diversa, competitiva e próspera.
Na reunião de emergência para discutir o divórcio, na quarta-feira, representantes da UE disseram ao premier David Cameron que o Reino Unido terá que continuar aceitando trabalhadores do continente, se quiser manter privilégios especiais de acesso ao mercado do bloco. Esta é uma posição acertada e serve de argumento aos próprios líderes da UE, para que façam mais para atenuar a dramática situação dos refugiados, cuja precariedade alimenta incertezas, com reflexos na Europa e no mundo.