“Tenho 59 anos e fotografo desde os 20. Interesso-me por coisas de difícil acesso, cheias de realidade, que as pessoas não gostam de ver, mas eu as forço. Cobri a guerra civil da Argélia, o conflito religioso no Sudão. Viajo o mundo inteiro e sou como uma planta: é só me colocar em um lugar e ver o que acontece.”
Conte algo que não sei.
Viajei por 15 dias com a minha família pelo Brasil e me surpreendi por não ver estrangeiros. Descobri que vocês são autossuficientes. Na Europa, a gente depende do resto do mundo. Acho que o Brasil é o único país onde você não consegue comprar nada com dólar. Isso é especial.
Qual foi a sua primeira impressão quando chegou ao Rio para dar início a seu trabalho, em 2014?
Comecei logo depois da Copa do Mundo. A cidade estava em construção, cheia de funcionários pela rua, no metrô, por toda parte. Quis fotografar esse período específico: os dois anos entre o fim do Mundial e o início da Olimpíada. Pode ser que as pessoas não gostem do Rio real, mas é o meu Rio. Agora quero saber se os moradores acham que esses grandes eventos causaram impacto no desenvolvimento da cidade ou se foram apenas um sonho que custou muito dinheiro e não ofereceu retorno.
Foi essa sua curiosidade que o levou à Argélia?
Fui para lá por acaso, em 1991. Era o aniversário de 700 anos da Confederação Suíça, e a embaixada me convidou a fazer uma exposição de fotos lá. Disse que não queria fazer uma apresentação apenas para o mundo diplomático, mas oferecer um workshop para fotógrafos argelianos. Isso quatro meses antes da eleição que culminou com a Guerra Civil na Argélia. Quando os islâmicos venceram nas urnas, mas os militares tomaram o poder, resolvi ficar para entender o que estava acontecendo.
Como estava a atmosfera lá na época?
De repente, as pessoas pararam de se falar nas ruas, porque não sabiam em quem podiam confiar. Ninguém queria ser fotografado. Decidi, então, ?roubar? as fotos. Comprei uma câmera panorâmica com cara de velha, pendurei-a no pescoço pela alça, como se não a estivesse utilizando, e saí fotografando o que via. ?Roubei? fotos por sete anos. Sentia-me mal, mas percebi que tinha que fazer isso.
Por quê?
Em dois anos, cem jornalistas foram assassinados, então, os estrangeiros pararam de ir para lá. Eu era o único que continuava. As imagens dos fotógrafos argelianos eram manipuladas, de propaganda. Queria mostrar a realidade. Minhas fotos correram o mundo.
E como você foi parar no Sudão?
Queria conhecer uma república islâmica estabelecida. O que mais me chamou atenção lá foram as secretárias dos bancos que, ao encerrar o expediente, iam, vestidas de burca, para os jardins dos estabelecimentos, pegavam seus kalashnikovs (AK-47) e treinavam por duas horas.
Com que objetivo?
Eram como partes de uma milícia. Após três meses de treinamento, elas eram mandadas para as guerras, explodiam, e o Exército podia seguir. O mesmo ocorria com jovens órfãos sudaneses. A guerra no Sudão é entre os islâmicos e a sociedade cristã.
Você desenvolveu projetos na Índia, no Egito, nos Estados Unidos, na Inglaterra… O que o move pelo mapa?
Gosto de mostrar a realidade, que as pessoas costumam ignorar. Acho que a fotografia não vai mudar um mundo, mas pode dar um chute num cérebro adormecido.