Cotidiano

Brasil teve 5 milhões de trabalhistas ano passado

Com anos de experiência na Justiça do Trabalho, Marlos Melek já viu de tudo e relata alguns casos reais em seu livro

Cascavel – A burocracia, as leis ultrapassadas e a vaidade que domina certos setores criam barreiras imensas e absurdas ao desenvolvimento nacional. Apenas no ano passado, cinco milhões de ações trabalhistas foram movidas contra empresas no Brasil e tomam por base uma legislação com mais de 70 anos e que condena o País a um abismo pavoroso. Essa é a síntese de exposição do juiz do trabalho Marlos Melek na noite de quinta-feira a mais de cem empresários e diretores de entidades, na Acic.

As ações trabalhistas estão em primeiro lugar no ranking dos processos em trâmite no Brasil, que somam mais de 71 milhões. E mesmo com uma estrutura judiciária que custa R$ 70 bilhões por ano, apenas 14% das ações costumam ser resolvidas. “As demais seguem sem solução, congestionadas”, segundo Marlos. Além de não atender minimamente aos interesses do País, principalmente do setor produtivo, a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), de 1945, cria ameaças sérias a empresas dos mais diversos portes e atividades.

A ineficiência de uma legislação que há muito deveria ter sido abolida custa bilhões de reais por ano e há apenas dois caminhos para que, pelo menos, as relações de trabalho sejam melhoradas. A primeira é uma completa reforma na CLT ou então substituí-la pelas Convenções Coletivas de Trabalho. “O Brasil e as empresas não suportam mais a gigantesca insegurança jurídica que se cria com as diferentes interpretações da lei. Para o bem da economia, do futuro, das empresas e dos empregos, a clareza precisa ser adotada com seriedade e com urgência”, segundo Marlos.

Empresário

O juiz Marlos Melek adota posições e posturas diferenciadas em meio à estrutura da Justiça do Trabalho. Ele foi empresário por muitos anos e dava emprego a três mil funcionários. A companhia foi vendida a um grupo estrangeiro e então Marlos decidiu se dedicar à magistratura. “Antes mesmo de abrir as portas pela manhã, o empresário coloca o seu patrimônio em risco. As atitudes do governo e a inconsistência de algumas leis geram desafios incríveis e são de grande hostilidade”, lamentou Marlos, autor de livro que orienta empresários sobre como reduzir ao máximo riscos de ações trabalhistas que podem levar à falência e ao desemprego.

Há 12 anos no judiciário, Marlos já deu enormes contribuições no combate ao desperdício e à burocracia. Um deles foi acelerar o destino de centenas de aviões que apodreciam em garagens e estacionamentos de aeroportos e de órgãos de repressão ao crime. Alguns inclusive ajudam hoje a salvar vidas, usados no transporte de órgãos para transplante. Agora, a tentativa é de esvaziar os abarrotados pátios de veículos em áreas das polícias civil e rodoviária. Em apenas 0,23% dos processos no Brasil há leilão dos bens antes do fim das ações, o que pode demorar décadas. Assim, quando termina está tudo inutilizável, afirmou o juiz.

Insegurança

Marlos disse que a insegurança jurídica às empresas não se dá apenas por uma legislação caduca, mas por muitos juízes decidirem sobre questões importantes e que mexem com a vida e o futuro das pessoas e das empresas como bem entendem. As grandes corporações podem contratar excelentes advogados, mas as pequenas, quando condenadas, simplesmente são obrigadas a cumprir a decisão, mesmo quando há sentenças diferentes para casos iguais. “A vaidade, não bastassem os enormes problemas estruturais, legais e burocráticos, também causa substanciais prejuízos a quem gera emprego, renda e desenvolvimento”.

Há ainda outros perigos resultantes das chamadas medidas extremas, como do bloqueio automático de dinheiro da conta de CPFs envolvidos em ações e demandas judiciais. Há casos em que a liberação das contas demora um ano para ocorrer. Marlos citou também o efeito perverso de medidas populistas e irresponsáveis, como uma das que foram assinadas pela presidente afastada Dilma Rousseff. Do dia para a noite, ela decidiu que trabalhar de moto é perigoso e autorizou adicional de periculosidade de 30% aos vencimentos dos profissionais que se utilizam desse tipo de veículo, mais uma vez conta que quem paga são as empresas. 

Casos práticos evidenciam excessos

Com anos de experiência na Justiça do Trabalho, Marlos Melek já viu de tudo e relata alguns casos reais em seu livro. Na reunião com os empresários ele citou dois. De uma mulher que ficou apenas no regime de experiência de 30 dias em uma empresa onde acabou não efetivada. Depois de semanas da dispensa, soube que estava grávida e então moveu uma ação. A empresa foi obrigada a pagar uma pequena fortuna à ex-colaboradora. E o de um rapaz, também em regime de experiência, que acionou uma empresa que foi alvo de assalto.

O juiz, na audiência, pediu se o jovem havia processado os bandidos também e ouviu como resposta que não. Acionar a empresa era mais fácil, porque não havia riscos ou ameaças. E Marlos então quis saber porque, diante de uma situação fora do controle da empresa, justamente quem deu oportunidade de emprego e renda ao rapaz acabou alvo do processo. Há situações de empresas condenadas a indenizações milionárias porque os colegas, não o dono ou diretores, chamavam alguém pelo apelido. Uma das dicas do juiz é que tudo deve ser transformado em contrato escrito, inclusive o período de experiência e as possíveis promoções.

Mudanças sérias e que conduzam o Brasil por caminhos mais sensatos dependem de inúmeras reformas, porque todas estão atreladas. Não apenas tributária, administrativa, previdenciária, trabalhista e política, mas também as das matrizes comerciais, do agronegócio, logística e energética, conforme Marlos. A sustentação das relações de trabalho em uma lei obsoleta e sem clareza, na qual cada juiz julga segundo o que entende certo, cria aberrações de efeitos contundentes. Enquanto o País não contar com algo melhor, o livro do juiz auxilia empresários a agir com mais cautela e a evitar dores de cabeça e prejuízos financeiros que podem condenar o negócio.