RIO e MIAMI ? No espetáculo eleitoral americano, quem assumiu um dos papéis protagonistas neste ano foram os latinos ? com a sua dramática e polêmica história de imigração em massa pela fronteira sul dos EUA. Nascido na Bolívia, Eduardo Gamarra, especialista em política latino-americana da Florida International University (FIU), acredita na força política do eleitorado de origem hispânica no país, apesar do desafio que o baixo comparecimento ainda impõe à sua performance nas urnas. Nestas eleições, no entanto, ele ressalta que a retórica anti-imigração do republicano Donald Trump foi o maior empurrão para que os latinos efetivamente chegassem ao centro da discussão política. Para o professor, a democrata Hillary Clinton já garantiu seu lugar como a candidata latina ? mas o que falta de verdade aos imigrantes é uma liderança significativa capaz de representá-los nas negociações políticas dos EUA.
Os hispânicos ocupam uma posição diferente nestas eleições americanas?
Os latinos se tornaram uma grande força política em termos numéricos nos EUA. Há 27 milhões de hispânicos aptos a votar hoje, um número muito grande em comparação aos menos de 10 mil que havia 30 anos atrás. Mas o maior problema é a tendência de não se registrarem para votar ou não comparecerem às urnas. A sua performance não corresponde ao seu enorme potencial. Nesta eleição, eles foram levados ao centro do debate político por Donald Trump, que essencialmente lançou sua campanha com ataques aos latinos. Nem sempre as pessoas estavam tão preocupadas com as políticas migratórias quanto hoje: este costumava ser o quarto ou quinto assunto mais importante para a opinião pública. E hoje é o primeiro ou o segundo. Então, em certa medida, os latinos chegaram à discussão, mas por razões negativas: a retórica anti-imigração que vem, sobretudo, do candidato republicano.
Hillary conseguiu provar que merece o voto latino?
Em relação a Trump, com certeza. A comparação é muito fácil de fazer. Ela é uma mulher que tem um histórico de incentivar uma abrangente reforma das políticas migratórias. E ele quer construir um muro e usa termos como “bad hombre”. Não é que os latinos estejam muito felizes com ela ou sejam absolutamente unânimes à sua candidatura, mas é a sua única opção. Eles estão muito atentos ao número extraordinário de deportações que aconteceram nos últimos oito anos. Então, Hillary é a candidata latina e continuará a ser enquanto os republicanos tiverem esta campanha. A baixa performance dos latinos nas urnas, no entanto, é o que pode impedi-los de ser uma força-chave para elegê-la. Mas na Flórida, por exemplo, a competição está muito apertada. O voto dos porto-riquenhos, colombianos e mexicanos no estado, assim como o dos americanos que abandonaram o Partido Republicano, pode ter um papel decisivo.
E é possível identificar o que os latinos gostariam de ver, no lugar de Hillary e de Trump?
A realidade é que não há uma liderança latina de grande importância nos EUA. Temos alguns membros no Congresso, mas não conseguimos uma articulação nacional como a dos negros. A força política latina é subvalorizada. Enquanto os latinos não tiverem uma liderança clara e seguirem outros grupos, será muito difícil que tenham voz na política, embora sejam o maior grupo minoritário deste país.
Trump poderia ameaçar os novos laços com Cuba? Ele ameaçou reverter o degelo em setembro…
Para mim, esta é uma retórica vazia. Ele disse isso quando veio a Miami, em frente a um grupo cubano que está insatisfeito com a reabertura diplomática. O acordo é irreversível, mesmo na população cubano-americana da Flórida, em que mais de 50% ficaram do lado do presidente Obama. Grande parte do setor empresarial americano também está alinhada com esta política. E até mesmo legisladores conservadores, como Marco Rubio, que em geral podem suspeitar da reabertura, já pedem transformações de outros elementos da politica dos EUA em relação a Cuba. Seria extraordinariamente difícil para Trump mudar isso sem enfrentar uma significativa reação política. E eu não gosto de dizer categoricamente que ele não vencerá, mas não acho que você me fará esta pergunta em 9 de novembro.
Trump vem tentando abaixar o tom do seu discurso nas últimas semanas. Mas, ao mesmo tempo, ele manteve a sua promessa de construir um muro na fronteira, mesmo imediatamente depois de ter chegado de uma viagem ao México. O que isso diz sobre a sua candidatura?
A candidatura de Trump, infelizmente para o sistema político americano, mostra que somos suscetíveis à emergência de retóricas nacionalistas, tal como aconteceu na Europa entre as guerras ou na América Latina das últimas décadas. É um fenômeno importante e, por um lado, até mesmo pode ser um elemento democratizador, porque mobiliza pessoas que estavam fora do sistema ou politicamente inativas. Mas o problema é que os movimentos que guiam este tipo de liderança fundamentalmente colocam o indivíduo muito acima da instituição. É o que aconteceu com o Partido Republicano, porque é tudo sobre Trump e a legenda ficou em segundo plano. Se o partido vai conseguir se recuperar será uma questão dramática, especialmente com todas as sugestões de que os republicanos perderão. Então, no fim das contas, o caráter publicitário e individualista da sua candidatura não é bom para a democracia nos EUA.
Se Hillary vencer, manter a estratégia das ordens executivas na reabertura será suficiente?
Com Hillary, será interessante ver como Cuba reagirá porque a realidade é que o país ainda luta contra o acordo e continua a prender pessoas. A abertura tem sido muito gradual e decepcionante na questão dos direitos humanos, na verdade. Seria interessante ver como Hillary busca esta abertura. Estas ordens executivas foram muito importantes no atual contexto político e legislativo. E, provavelmente, a chave para entender o que acontecerá em janeiro será o resultado no Congresso. Se Hillary ganhar a maioria acachapante dos votos e o resultado tiver impacto na votação para o Legislativo, então você poderá ver uma alteração significativa no Legislativo, que a permitirá buscar algumas das suas propostas políticas. Será muito importante, neste caso, ter uma mudança que coloque o Senado sob o controle democrata e ver o que acontece na Câmara dos Representantes. Se ela vencer por pouco, não haverá uma grande mudança. E, em qualquer governo, pode ser muito perigoso para um presidente estar nas mãos da oposição.