Curitiba – As 460 páginas da primeira sentença da Operação Quadro Negro, que foi publicada no dia 10 de setembro, fornecem vasto material para uma análise mais intimista do esquema que desviou milhões de reais que deveriam ter sido usados na construção de escolas no Paraná.
João Frey, da Gazeta do Povo, esmiúça a sentença e revela que, de modo geral, pelo que revelaram os delatores e pelo que atestou o juiz Fernando Fischer, o esquema funcionava da seguinte forma: a Construtora Valor disputava licitações do governo do Paraná com preços muito abaixo dos concorrentes para garantir a vitória já tendo acordado aditivos à obra que compensariam essa redução inicial do preço. A segunda etapa do esquema era usar parte do dinheiro desviado dos aditivos para financiar campanhas eleitorais do (então chefe) ex-governador Beto Richa (PSDB). Detalhe: a parte que envolve Beto Richa foi delatada e denunciada pelo Ministério Público do Paraná, mas não foi contemplada nessa sentença porque Richa só foi denunciado após deixar o cargo e o foro privilegiado.
A vítima
O primeiro detalhe curioso contido na sentença é o modo como Eduardo Lopes de Souza – dono da Valor e figura central do esquema – se disse “vítima do sistema político” e, portanto, não agiu dolosamente ao desviar o dinheiro que recebeu para construir escolas públicas.
A argumentação de Eduardo Lopes de Souza foi rechaçada pelo juiz. “Sua condição pessoal e grau de instrução permitem concluir que era plena a capacidade de reconhecer o injusto e de agir de outro modo, uma vez que não havia nenhuma coação ou outro fator externo que o induzisse a cometer os delitos, a não ser a sua ganância e a busca de aumentar seu patrimônio”, escreveu Fischer.
Porsche e Jet ski
Outro ponto revoltante é o destino do dinheiro desviado. Além de campanhas políticas, os recursos que ficaram com o empreiteiro foram usados para comprar carros de luxo, entre eles um Porsche 911 Carrera, um Audi SQ5 e uma Mercedes-Benz A45. Além de jet skis e imóveis na praia, que foram colocados no nome do filho de Eduardo Lopes de Souza.
Bur(r)ocracia
Boa parte das estruturas do Estado que o tornam grande e lento existem em nome do controle dos atos da administração pública. Se seguidas à risca, as etapas do processo administrativo garantem a lisura das ações do Estado independentemente das intenções e do caráter das pessoas envolvidas.
No caso da Quadro Negro, entretanto, más práticas dentro do governo do Paraná abriram espaço para os desvios. Engenheiros responsáveis pela fiscalização das obras preenchiam relatórios sem ir aos canteiros, assinavam medições que nunca existiram para pagamento de serviços não executados. Isso permitiu que a construção evoluísse no papel sem que um único tijolo fosse assentado na vida real.
“Essas atribuições [do cargo] deixam cristalino que é dever do engenheiro que fiscaliza a obra comparecer à obra. Parece óbvio, até porque é óbvio, mas algumas defesas insistem na ideia de que o procedimento de emitir e assinar um relatório de vistoria de obra sem ver a obra é correto”, sentenciou o juiz Fischer.
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