Variedades

O poder de um marido

Nunca escondi o quanto um café me faz bem. Mas não pode ser puro, preto, nem ser em quantidade muito grande ou sinto dor no estômago. Uma xícara pequena misturada com leite basta para três, quatro horas de relaxamento. Embora tenha lá suas propriedades, o café por si só não é milagroso; tudo é uma questão de ritual e as coisas que o acompanham. É a colherinha que faz pequenos redemoinhos naquilo que em breve estará em meu corpo, é aquela coisa que brota em meu peito quando vejo a xícara se aproximando. Uma imensa sensação se euforia toma meu cérebro quando sinto a porcelana entre os dedos, peso que imediatamente abre a porta para um estado de contentamento. Em poucos segundos o líquido quente atravessa a laringe e desce o esôfago, um calor que irradia por todo o pescoço a ponto de causar um ligeiro arrepio na minha nuca.

– Então, querida, tua vida sexual deve ser um desastre mesmo – concluiu minha melhor amiga depois que escutou meu entusiasmo com uma xícara de café e seus efeitos sobre meu bem-estar.

A observação de certa forma foi interessante. Eu confidenciando que preciso de algo que minha amiga enjoa só com o cheiro. E depois de ler o artigo da Dr. Karine, aquele sobre o sexo que une os casais, ela se deu conta de onde vinha sua felicidade: bem antes de manter o sexo com seu marido, sua alegria estava em enfiar o nariz debaixo do braço dele, todas as noites, quando deitava para dormir.

– Fico tão feliz e satisfeita com aquele cheiro que o que rola depois é consequência – me disse ela. – Se tem uma uma coisa que me faz relaxar é sentir o cheiro do "sovaquinho" dele, sabe?

Não, não sei, até porque nunca cheguei tão próximo assim do marido dela ,mas está aí uma coisa que me faria torcer o nariz, axila, talvez da mesma forma como ela refuga o aroma de café. O "sovaquinho", porém, de longe pareceu ganhar da cafeína, uma lembrança contada pausadamente por lábios lascivos em um corpo agora lânguido, ambos os cotovelos apoiados na mesa e um olhar perdido de quem revê alguma cena inesquecível no teto branco da cozinha.

Depois disso tentei rebater que não era minha vida sexual um desastre, a vida gastronômica dela é que estava em apuros. Como alguém não consegue sorver dos pequenos prazeres que a culinária pode proporcionar? Mas o olfato, pelo jeito, nocauteou meu paladar. Os pequenos prazeres são, de fato, pequenos se comparado ao que vem de um "sovaquinho" de marido. Não passou despercebido esse poder que – bem vi – fez uma mulher esquecer que estava na hora de ir para o trabalho, memórias que a levaram a um estado quase catatônico. Um prazer daqueles faz a diferença entre ser ou não feliz e se mostrou bem mais profundo se comparado ao de uma colherinha metálica girando o conteúdo marrom de uma xícara que agora me parece meio morna, sonsa até, prazer que não chegou nem perto ao poder restaurador do sovaco de um marido.