Ganham notoriedade os casos em que as mulheres tem uma conduta social desviada, aliás, desde a Disney, as vilãs têm muito mais visibilidade que os vilões (em alguns casos até mais que a mocinha, vide o caso da Malévola). Apesar dos índices de stalking masculinos ser muito superiores aos femininos (geralmente, ligados ao término do relacionamento e, em algumas situações, ao crime de feminicídio), o termo ganha as “trends” das redes sociais com a produção da Netflix “Bebê Rena” e com a stalker de Minas Gerais. Em ambos os casos, mulheres perseguiram homens por muito tempo, mandando quantidades exacerbadas de mensagens e e-mails e/ou ligações, sendo que, aparentemente, acreditavam estar em relacionamento genuíno com a vítima.
A conduta de stalking (a mania da americanização do bom português) ou perseguição foi definida como crime no Brasil há 03 anos (em um belo 1º de abril…) e se caracteriza pela perseguição sistemática (quer dizer reiterada, mas não há uma quantidade mínima) que ameaça a integridade física ou psicológica da vítima, além de perturbar sua liberdade e privacidade. Ou seja, é uma perseguição crível e grave, capaz de perturbar a vítima, ainda que seja implícita, desde que a vítima tenha conhecimento dessa perseguição.
Embora tenha sua relevância no âmbito criminal e renda visibilidade midiática (especialmente às mulheres que cometem o delito), também interessa às relações familiares. Isso porque, em muitos casos, quem persegue é o homem e em razão do fim do relacionamento, estando intimamente atrelado aos casos de violência doméstica, caso em que a palavra da vítima possui importante valor probatório, ao lado das demais provas do processo, especialmente que demonstrem a reiteração das condutas.
Nesse sentido, a realidade evidencia que a perseguição, na grande maioria dos casos, é uma violência de gênero, especialmente de sua estrutura assimétrica. Pode não se limitar a vigilância constante, mas se caracterizar no envio de objetos, ameaças e ofensas, além de contatos impróprios, que pode acontecer em espaço físico ou virtual, e pode ter seu encerramento com o último suspiro da vítima. Evidências empíricas demonstram que a maioria das vítimas de feminicídio foi, anteriormente, perseguida, de modo que há incremento de pena para quando a vítima é do sexo feminino (ou ainda quando é criança, adolescente, idoso ou quando praticado por duas ou mais pessoas ou com uso de arma).
Dessa forma, a criminalização da conduta pode ser compreendida como prevenção à violência de gênero, visto a correlação de risco entre o stalking e o feminicídio.
Quando a vida não é ceifada, é limitada, diante do cerceamento e do temor causado pela prática delitiva. A perseguição tem conexão significativa com o comportamento emocional abusivo e controlador dos relacionamentos, em que as mulheres são consideradas mais vulneráveis, em razão do seu histórico papel de serventia nas relações familiares.
A correlação da perseguição com alguma enfermidade mental não é obrigatória, pode existir ou não algum transtorno ou complexo que favoreça tal comportamento. Isso não reduz o seu potencial lesivo à vítima. Nos casos relacionados à violência de gênero, é mais um mecanismo de exercício de poder e controle dos agressores em relação às vítimas e que deve ser denunciado às autoridades o quanto antes. As políticas de prevenção e proteção requerem esforço coletivo e contínuo, em nome de uma sociedade mais justa e igualitária, não só como discurso vazio, afinal é isso que prega a Constituição Federal.
Dra. Giovanna Back Franco – Professora universitária, advogada e doutoranda em Direito