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Coração remendado

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O coração humano, um coração de mamífero típico, tem 4 câmaras. Dois átrios e dois ventrículos. Ele recebe sangue do corpo, bombeia para os pulmões para ser oxigenado. Esse sangue volta para o coração e é bombeado para nutrir o corpo todo. Esse ciclo se repete milhões de vezes ao longo de uma vida humana. O meu coração e o seu também fazem isto, senão eu não estaria aqui escrevendo e nem você estaria aí lendo.

O meu coração não é tão jovem assim. Ele bate como só ele consegue bater. É um coração muito particular. Um coração remendado. Eu sei que existem outros assim como o meu, remendados e com seus calos e cicatrizes, mas eu quero falar do meu agora. O meu coração daria um livro ou uma peça de teatro, por toda sua dramaticidade.

O meu coração já quebrou várias vezes. Algumas vezes merecidamente, outras nem tanto. O meu coração já viu outros corações se partirem também. Corações que ele ama tanto e lhe custam tão caro. Acho que este é o motivo principal pelo qual o meu coração se despedaça. Ele se despedaça e fica tipo um copo espatifado jogado com força contra uma parede. Ele explode. O meu coração não aguenta muita coisa. Não precisa muito e ele já sofre fissuras e pimba, quebra.

No meu coração moram meus filhos e eles sempre morarão lá, porque senão o meu coração nem mesmo existiria. Moram minha mãe, minhas irmãs. Meus tios e tias. Moram meus primos. Mora meu pai, em algum lugar. Meus avôs e avós. Mora minha esposa com seus olhos azuis. Moram meus 3 cães. Moram meus amigos, uns mais próximos e outros, mesmo estes, moram também. No meu coração mora Deus.

Então quando ele se quebra eu esparramo toda essa gente. Depois eu recolho os cacos e eles voltam pra lá.  Cheio de remendos esse coração continua. E ele não só bate. Ele fala. Meu coração fala demais, parece um papagaio. Às vezes eu peço pra ele parar, mas quase sempre eu não consigo. Ele sente demais, esse meu coração. E ele me diz muitas verdades porque ele sabe que eu escuto.

Meu coração busca a verdade sempre e quando não acha ele fica louco. Bate mais rápido e fica entupido sem conseguir bombear direito. O resto do corpo que espere. O meu coração é o chefe absoluto da organização. Eu até tento dar uma folga para ele, mas raramente consigo.

Ele se quebra toda vez que eu erro. Ele se parte com estrondo. Ele é nada discreto e gosta de um estardalhaço. Ele lança seus estilhaços nos meus olhos e então eu choro.  Eu gostaria de ter um coração mais simples, mas isso a gente não escolhe. O meu é desse jeito aí. Barulhento e quebradiço.

O meu coração gosta de extremos. Ele vai lá longe e olha na beirada de tudo. Ele vive como um alpinista se segurando em penhascos. Engraçado. Justamente ele que se quebra sem muita força. Meu coração é valente e louco. Ele corre como se galopasse no lombo do cavalo mais arisco e atrevido. Não adianta colocar nada na frente. Ele salta, ele desvia e puxa as rédeas com força. Ele cai lá de cima e remendado, quebra outra vez no chão duro da vida. Mas não se enganem, ele sempre é manso demais para quem precisa. E ele manda os pulmões suspirarem mostrando que está entendendo a coisa toda.

Eu não sei se ele é tão bonito assim como eu estou falando, mas ele é tudo que eu tenho.

O meu coração é terra mexida. Terra que já foi usada mas que eu sempre planto. Eu planto tudo lá sem nem pensar duas vezes.

Dele sai tudo que eu sei. Tudo que eu posso. Deste coração remendado eu construo os meus dias. E volto de novo e sei que sem ele eu nada seria.

Por Dr. Carlos Eduardo – CRM/PR 20.965