A referência imagética da fofoca está nas mulheres, ainda que o ato seja cotidianamente realizado pelos indivíduos, independente de gênero. Aliás, tem ganhado novos contornos com as mídias sociais e a possibilidade de propagação até mesmo de fake news aos parentes mais longínquos. Não é só o laço de sangue e de afeto que une uma família, mas o sedutor entrelaçamento de histórias do alheio.
Embora a fofoca tenha sido fundamental à evolução da espécie humana, com o estreitamento de laços sociais, bem como o desenvolvimento da linguagem, conforme Yuval Harari (historiador israelense), ela pode ser considerada de forma pejorativa quando atrelada ao gênero feminino. Inclusive, as mulheres consideradas fofoqueiras eram severamente punidas na Idade Média e são reprimidas na modernidade, em razão dos valores morais da mulher tradicional (bela, recatada e do lar).
Homens e mulheres fofocam igualmente, porém a concepção é distinta: aqueles fazem network (conversas de trabalho, discussão pós-reunião ou pausa para o cafezinho), estas, mexericos. A punição da fofoca feminina dificulta um pedido de socorro quando a violência ocorre no ambiente doméstico. Poderia ser um pedido de ajuda às amigas, familiares ou conhecidas, porém, é mal vista como maledicência.
Àqueles não se discute o direito de fala, estas, em grande medida, são criticadas e interrompidas 18 vezes mais (é o fenômeno conhecido por manterrupting – a mulher não consegue concluir seu raciocínio ou terminar sua fala), quando não caladas. O direito de fala é o direito de agir em domínio público, em prol de si ou da coletividade, o qual não sofreria qualquer distinção de gênero, raça, idade ou classe social.
No entanto, o discurso e a ação que não se coadunam com os valores tradicionais cristãos estão em constante embate de validade, sendo posto à prova o emissor da mensagem e não necessariamente seu conteúdo. Cria-se a aversão à tirania do politicamente correto e o ataque direto e desinibido às minorias, sob o argumento “robusto” e plurisilábico de “mimimi”…
Não é incomum, em processos judiciais familiares, o desgaste da mulher, das crianças, dos deficientes (por meio de seus representantes) para que seus direitos sejam garantidos – os vulneráveis colocados em situação de maior vulnerabilidade. Múltiplas revitimizações ao se contar e recontar os atos de violência, costumeiramente colocados à prova. São loucos, histéricos, exagerados, mentirosos. Eles não têm local de fala. Sua versão é mera fofoca, colocada frente a frente, em pé de igualdade, com aqueles que não justificam nada, não fazem nada e não precisam falar nada…
Dra. Giovanna Back Franco – Professora universitária, advogada e doutoranda em Direito