
Brasil - “Se eu falar algo, o Ministro me mata ou me prende”, escreveu o perito, em 31 de março de 2024, para a sua atual esposa, numa mensagem de WhatsApp. No diálogo, ele manifestou o desejo de “contar tudo de Brasília” antes de morrer. “Minha vontade, é chutar o pau da barraca, jogar tudo para o alto”, escreveu Eduardo Tagliaferro, ex-assessor de Alexandre de Moraes, quando o ministro era presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Material produzido com exclusividade pelo jornalismo pela Gazeta do Povo, a partir de mensagens obtidas pela Polícia Federal na investigação sobre Tagliaferro, em inquérito no STF (Supremo Tribunal Federal) sob a relatoria de Moraes, traz detalhes do terror vivido pelo ex-assessor com medo das ações que poderia sofrer por ordem do ministro, temendo ser preso e até mesmo morto se tornasse público tudo o que sabe. As mensagens fazem parte de diálogos entre Tagliaferro e sua atual companheira.
O referido inquérito foi aberto para investigar Tagliaferro por suposto cometimento do “crime de violação de sigilo funcional”, após o vazamento de mensagens que foram publicadas na Folha de São Paulo, em agosto de 2024, revelando a “encomendava relatórios” pelo gabinete de Alexandre de Moraes, junto ao TSE, para suspender perfis e remover postagens nas redes sociais.
Entre agosto de 2022 e maio de 2023, Eduardo Tagliaferro comandou a AEED (Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação), e era responsável pela elaboração de relatórios sobre políticos, ativistas e veículos que publicavam críticas ou ofensas a Moraes, ao TSE ou ao STF nas redes sociais.
“Cid falou verdades”
De acordo com os arquivos acessados, Tagliaferro e sua esposa conversavam sobre as suas dificuldades que em Brasília. Em 31 de março de 2024, ele expressou o desejo de contar o que viu: “Mas antes de eu morrer/ Tenho que contar tudo de Brasília/ Só falta isso/ O resto, mesmo eu sofrendo, já coloquei cada um no seu lugar”. Depois, desabafou: “Sabe que hoje, se eu falar algo, o Ministro me mata ou me prende, ele é um FDP”.
O perito ainda citou o exemplo do caso de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro. “Veja pelo Cid, falou em um grupo privado, algo que nem seria crime, somente comentou uma verdade, o fdp mandou prender ele de novo”. A afirmação fez referência ao conhecido áudio de Cid que reclamou da pressão da Polícia Federal para que ele confirmasse uma “narrativa pronta” sobre a suposta tentativa de golpe em sua delação premiada.
Tagliaferro ainda disse que “Minha vontade, é chutar o pau da barraca, jogar tudo para o alto. […] “Meter o louco e não fazer mais nada, mas não posso, tenho as meninas [suas duas filhas adolescentes]”, completou depois, em referência a duas filhas adolescentes.
PF já apagou arquivos
As mensagens foram capturadas pela Polícia Federal no inquérito contra Tagliaferro que tramita STF e foram acessadas a parti do relatório oficial da investigação. Até então, o inquérito, que é público, tinha os documentos disponibilizados em arquivos que poderiam ser acessados por qualquer pessoa cadastrada no sistema de consulta processual da Suprema Corte.
Após a publicação da matéria, ontem (16), a Polícia Federal retirou os arquivos que continham mensagens de WhatsApp do perito Eduardo Tagliaferro com sua mulher e seu advogado, da pasta pública que estava disponível para consulta desde 1º de abril. Questionada, a Polícia Federal não havia se manifestado até o fechamento desta edição.
Oposição cobra explicações
A vice-líder da Minoria na Câmara, Bia Kicis (PL-DF), declarou que as novas revelações são “estarrecedoras“. “Esse clima de intimidação precisa ser investigado com urgência. Vamos solicitar que Eduardo Tagliaferro seja ouvido pela CCJ. O Brasil merece saber até onde vai o poder de um ministro que não aceita ser questionado. Democracia de verdade não combina com silêncio forçado e muito menos com medo de ser calado”, disse à Gazeta do Povo.
Em entrevista à Rádio Auriverde, de Bauru (SP), o deputado Maurício Marcon (Podemos-RS) disse que a situação de Alexandre de Moraes “não vai terminar bem“. “Ele [Moraes] parece que é um carro desgovernado. Ele solta traficantes, dá dias para a Espanha se manifestar, ele enfrenta um cacique do centrão, ele para sua residência o presidente da Câmara. Ele intimida os seus assessores, como nós podemos ver nas mensagens. Eu não sei quanto tempo ele acha que isso vai durar, mas ele vive em um mundo insustentável”.
Para o deputado Marcel van Hattem (Novo-RS), as mensagens de Tagliaferro reforçam o “retrato do terror institucional que se instalou no Brasil”. Segundo ele, “um ministro do STF não pode ser temido como um ditador”. “O que mais precisa acontecer para que o Congresso tome uma atitude? Tagliaferro, ex-assessor de Alexandre de Moraes, que chefiava o setor de censura do TSE, afirmou com todas as letras que tem medo de ser preso ou morto se contar o que sabe”, completou, defendendo uma CPI. “A CPI do Abuso de Autoridade é urgente. Ou vamos continuar fingindo que está tudo normal enquanto o autoritarismo avança, destrói reputações, prende quem ousa denunciar e, até mesmo, tenta intimidar, investiga e indicia deputados federais que o enfrentam?”.