Por quanto tempo as crianças foram tomadas por mini adultos, cujos pais detinham a obrigação de salvar da purgação e do inferno, a qualquer custo? As famosas “birras” não podiam ser outra coisa senão a invocação do mal e os pais corrigiam com a vara, em sentido literal, a fim de que se tornassem “pessoas de bem”, sem maus comportamentos.
No entanto, esses próprios pais carregam consigo, em muitos casos, comportamentos infantilizados e irracionais na vida adulta, afinal a infância é o chão que sedimenta todas as etapas da vida. E embora seja uma etapa crucial do desenvolvimento do indivíduo, para alguns há de vangloriar-se por estar vivo depois de apanhar.
A violência, diferente da agressividade enquanto sentimento relacionado à frustração, é um comportamento social de dominação que se escora na vulnerabilidade de um indivíduo com relação ao outro. Num Estado de Direito, não se poderia legitimar a violência dos indivíduos, de modo que se promovem inúmeras garantias e formas de proteção, especialmente vinculadas à vulnerabilidade.
Por conseguinte, o desenvolvimento legislativo recente demonstra a preocupação com a garantia da incolumidade das crianças e adolescentes, tendo em vista os alarmantes dados a respeito da violência familiar, institucional e social em relação aos pequenos. Eles não são “pequenos adultos”, mas indivíduos em formação, em desenvolvimento de sua personalidade, que dependem de proteção integral. Porém, o mero reconhecimento da necessidade de cuidado à infância e à adolescência não se faz suficiente, sendo necessários instrumentos de políticas públicas de efetivação.
Instrumentos estes que devem se estender a toda “aldeia”. Um provérbio africano cita que é preciso uma aldeia toda para cuidar de uma criança e aquecer seu coração, dando-lhe noção de acolhimento, visto que é impossível a um indivíduo sozinho zelar plenamente por todas as necessidades de desenvolvimento de uma criança ou de um adolescente. E diz-se mais, quando a aldeia não aquece a criança, ela vai queimar a vila para sentir o seu calor, ou seja, os efeitos do déficit na criação de um ser humano impactam à coletividade. Todos são, portanto, responsáveis.
Exemplos desses mecanismos são as leis que possibilitam a extensão de medidas protetivas aos menores diante de violência doméstica e familiar, o privilégio da guarda unilateral diante de situação de risco de violência contra a criança e o adolescente e acaba de sair do forno a lei que institui a parentalidade positiva e o direito ao brincar enquanto formas de proteção à violência.
Todos detêm o dever de garantir a educação não violenta, de modo que a vara a ser aplicada deve ser a do pastor para guiar suas ovelhas e não para puni-las. Além disso, todos devem promover apoio emocional, estímulo à autonomia e ao desenvolvimento das capacidades cognitivas. Até porque, o cérebro da criança não é o maduro da relação com seus cuidadores, pelo contrário, ainda está se desenvolvendo em diversos aspectos e nada melhor para isso do que brincar.
Prática essa que deve ser democratizada, a fim de que todas as crianças, independente das condições familiares, possa ter a oportunidade de se desenvolver, inclusive afetivamente. Aos pais cabe a compreensão dos seus traumas e de suas vivências infantis (que hoje permeiam seus comportamentos) para que não despejem suas dores sobre seus filhos e possam exercer plenamente a paternidade.
Dra. Giovanna Back Franco
Professora universitária, advogada e doutoranda em Direito