Há alguns séculos, o hábito das pessoas era guardar suas riquezas em baús, como dinheiro ou joias, sendo que as chaves que os guarneciam passavam a ser compartilhadas com os cônjuges a partir do casamento. Na época, a família da mulher deveria garantir um dote, enquanto riquezas ao marido, tendo em vista o “incômodo” ou prejuízo monetário que ela seria para a futura família, até porque os casamentos estavam atrelados mais às questões patrimoniais do que afetivas.
Apesar de a afetividade ter ganhado espaço mais recentemente e ser mais comum a noção do casamento por amor, quando existe diferenças de beleza, idade ou riqueza entre os nubentes, há uma premissa popular, em grande medida desdenhosa e preconceituosa, sobre a vantagem que alguém pode estar auferindo nesse enlace. Assim, os casamentos em que houvesse alguma tramoia, só poderiam ser justificados pelo “golpe do baú”.
Embora o Direito não deva ficar restrito aos paradigmas populares, mas sim garantir o máximo de direito aos indivíduos, em respeito à sua dignidade e à autonomia privada, as legislações (por esses resquícios históricos) comumente limitam a autonomia para o casamento das pessoas idosas. Isso porque, pressupunha-se a limitação cognitiva daqueles que têm maior idade, especialmente em relação a um suposto engodo matrimonial.
Aliás, o amor parecia aceitável aos mais jovens, talvez porque seja pintado como Eros ou como uma bela moça de longas madeixas, que suscitam o frescor da juventude. Poeticamente, o amor não combina com os traços da idade, com os calos do trabalho ou com lapsos de memória, incapazes de uma loucura romântica. Confunde-se, porém, amor com paixão. Esta é desvairada, saltita pelos roseirais sem paciência para a preocupação do amanhã, enquanto que o tédio veste bem o amor, pois detém paciência e empatia, além de estar calçando sapatos de solidez para o futuro próspero.
Mesmo em tempos de liquidez de afetos e relacionamentos, o amor resiste e se espraia por aí, sem qualquer preocupação etária, étnica ou financeira. Juridicamente, são reconhecidos inúmeros direitos aos idosos, em respeito à sua autonomia, sendo proibida a discriminação em razão da idade. Por esse motivo, decidiu-se ser contrária à Constituição Federal a lei que determinava a obrigatoriedade do regime de separação de bens aos maiores de 70 anos. Passa, portanto, a ser facultativo, dando espaço de escolha aos septuagenários.
Ademais, se a opção inicial pelo regime de bens é facultativa, dependendo apenas de escritura pública específica, a mudança do regime de bens também é cabível. Ou seja, para aqueles maiores de 70 anos já casados, é possível alterar o regime de bens para o que seja desejado pelo casal, desde que cumpridos os trâmites judiciais.
Os “herdeiros de pessoa viva” terão de conviver harmonicamente com os “velhos da lancha” ou “sugar daddy” em plenitude sobre sua vida afetiva. Os limites apenas poderão ocorrer diante de comprovada senilidade, que comprometa a capacidade cognitiva, atestada por laudo médico e cumprido o processo de interdição e curatela. Caso contrário, o baú sequer fica empoeirado, deixando os idosos serem felizes.
Dra. Giovanna Back Franco – Professora universitária, advogada e doutoranda em Direito