A visão romântica do amor costuma ver no parceiro ou na parceira a forma mais intensa do amor recíproco. A literatura consagrou esse modo de compreender o amor com histórias trágicas nas quais, diante da morte de um dos parceiros, o outro se suicida. “Romeu e Julieta” é, nesse sentido, arquetípica. No entanto, a vida real não funciona segundo o modelo eternizado pela fantasia literária.
Onde, de modo concreto, a relação entre um homem e uma mulher se expressa da maneira mais intensa? A experiência mostra que é no filho. Com efeito, é ali onde, literalmente, o amor está “encarnado”. O amor, por ser um sentimento, é algo impalpável, espiritual. Ele se “concretiza” no filho. O filho é “carne da carne do casal”. Nele, no filho, a relação é indissolúvel: por ser “carne da carne do casal”, é materialmente impossível ao casal dissolver o vínculo que os une. Ainda que o casal se separe, quem se separa é marido e esposa, mas não pai e mãe. Pai e mãe permanecem unidos no filho para sempre!
Esta reflexão nos introduz à questão do aborto. Quando se interrompe voluntariamente a gravidez, o aborto da criança também aborta o amor recíproco do casal. Na morte premeditada do filho, morre o vínculo que unia o casal. A relação termina, mesmo que o casal fique junto! Para que a relação continue como relação de amor, é preciso um novo começo. Esse recomeço implica em que o casal chore sinceramente a criança abortada, assuma a dor do luto e a responsabilidade pela morte induzida. Somente desse modo os dois serão capazes de construir uma nova relação.
Não raramente, constata-se junto àqueles que procuram aconselhamento que os filhos mortos pelo aborto são simplesmente “esquecidos”. Quando perguntamos à mulher ou ao casal quantos filhos têm, referem-se somente aos que estão vivos ou, ainda, os vivos e quem morreu por doença ou acidente. Não mencionam os filhos abortados. É como se eles não tivessem existido pelo simples fato de não terem nascido.
No entanto, quando essa questão é colocada no campo sistêmico por meio de uma constelação, nota-se que a alma reage com ainda mais força, porque um aborto não é um “contraceptivo do dia seguinte”. Quando os envolvidos não assumem suas responsabilidades, um filho nascido depois pode fazê-lo por eles. Não poucos problemas estão diretamente relacionados à interrupção voluntária da gravidez. Posteriormente, os envolvidos geralmente têm o impulso de expiar. A maneira pela qual isso acontece algumas vezes chega a ser autodestrutiva.
Nossas próximas postagens irão aprofundar esse tema do aborto. Para efeitos didáticos, vamos distinguir nossas reflexões sobre o aborto em dois grupos distintos: abortos involuntários ou espontâneos e abortos voluntários ou induzidos. O primeiro acontece espontaneamente e pode ocorrer desde as primeiras semanas de gravidez e, até mesmo, nem sequer ser percebido pela mulher. O segundo é resultado de uma decisão da mulher ou do casal e por isso o designamos induzido.
JOSÉ LUIZ AMES E ROSANA MARCELINO são terapeutas sistêmicos e conduzem a Amparar.
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