Cotidiano

Salada das Frutas: além das bandeiras políticas, um êxito musical

IMG_4435.JPGRIO ? Os tantos “Fora, Temer” ouvidos no lotado Circo Voador, nesta sexta-feira, surgiram como um dos ingredientes de uma noite essencialmente política, recheada de boa música ? autoral, contemporânea, brasileira, independente. Quando, já na madrugada de sábado, Liniker e Os Caramelows, As Bahias e a Cozinha Mineira e Tássia Reis, atrações do projeto Salada das Frutas, se reuniram no palco para cantar “Olhos coloridos”, de Sandra de Sá, acompanhados em forte coro pelo público, as mensagens estavam todas ali, escancaradas: seis vocalistas negras, três delas transexuais, exalando charme, potência e, acima de tudo, orgulho.

Orgulho exemplificado quando, durante o primeiro show da noite, Raquel Virgínia, vocalista e compositora d’As Bahias e a Cozinha Mineira, moradora de São Paulo, pegou o microfone para contar uma história passada em uma de suas aventuras pela Lapa carioca: “Já beijei muito na boca por aqui. Lembro-me de uma vez em que acabei na delegacia. Estava saindo do motel com o bofe, o policial viu aquilo ? uma travesti negra e um homem também negro saindo do motel ? e resolveu levar para a delegacia. Claro que, chegando lá, só tinha negro sendo fichado. Mas o importante mesmo, seu policial, é que eu gozei”.IMG_4396.JPG

Imponente e performática, Raquel dividia o palco com Assucena Assucena, de versátil habilidade vocal, e com a jovem e competente banda formada por Rafael Acerbi, Rob Ashtoffen, Carlos Eduardo Samuel, Vitor Coimbra e Danilo Moura. Eles apresentaram o repertório de “Mulher”, álbum de estreia lançado no ano passado, com direito ainda a uma bela versão de “Mamãe coragem”, de Gal Costa ? “Uma canção para você – Jaqueta amarela”, contou com a primeira participação de Liniker e Tássia Reis. O show, dançante e repleto de referências ao nordeste, passou por MPB, rock, baião e chegou ao reggae com notável naturalidade.

Orgulho mostrado também pela rapper Tássia Reis, acompanhada pela backing vocal Lívia Mafrika e pelo DJ Dedé, e suas letras e rimas que exaltam a auto-estima e o empoderamento feminino. Em certo ponto do show, após fazer um cover de Beyoncé, a paulista de Jacareí emendou com uma versão de “Baile de favela”, trocando partes do misógino refrão original de MC João para “os menor preparados para respeitar o espaço dela” e “se falar mal das feministas vai voltar com a orelha ardendo”. A galera, que já tinha marcado presença cantando junto no hit “No seu radinho” e na nova “Desapegada”, aprovou.IMG_4405.JPG

Orgulho que transborda de Liniker, um claro exemplo de artista certo na hora certa ? em meio a um momento de ebulição política no país, Liniker surge, com seu vozeirão soul, letras de tempero pop e domínio do palco, defendendo diversas frentes importantes, como a igualdade de gênero e a luta contra o racismo. E não se importando em ser um símbolo disso tudo.

Antes mesmo de lançar seu álbum de estreia, previsto para os próximos meses, a cantora ? na apresentação da banda, a própria backing vocal Renata Éssis se referiu a Liniker no feminino ? já vem lotando shows pelo país. Neles, canta as músicas que estarão no disco e, incrivelmente, é acompanhado pela plateia em grande parte delas ? não só as três do EP “Cru”. IMG_4418.JPG

É notável também a evolução a cada apresentação d’Os Caramelows, formados por Rafael Barone, Péricles Zuanon, Márcio Bortolotti e Willian Zaharanski, com melodias ainda mais suingadas. Destreza em meio a tristeza: a banda se despediu, no fim de junho, de Bárbara Rosa, que dividia o backing vocal com Renata. Ela morreu aos 21 anos, em função de um câncer. Diferentemente do show da Salada das Frutas em Salvador, no começo do mês, quando se emocionou ao falar de Bárbara, Liniker não a citou na apresentação carioca.

Enfim, no momento mais aguardado da noite, quando dividiu seu hit “Zero” com duas mil fiéis vozes, Liniker pediu para as luzes do palco e da plateia serem apagadas, passando a ser iluminada apenas por isqueiros e celulares. E, na divertida e empolgante performance de “Louise do Brésil”, contou com o time da Salada todo reunido, pouco antes da já famosa “Benção da lacração”.

Em sua segunda passagem pelo tradicional palco carioca, Liniker abalou as estruturas do Circo e provou que as definições de “jovem promessa do soul e da black music brasileira” soam “janeiro de 2016” demais. Liniker já é uma realidade da nova música popular nacional.

VÍDEOS:

As Bahias e a Cozinha Mineira em “Lavadeira água”:

As Bahias e a Cozinha Mineira cantam ‘Lavadeira água’

Liniker e Os Caramelows em “Remonta”:

Liniker e Os Caramelows em “Remonta”

Liniker e Os Caramelows em “Caeu”:

Liniker e Os Caramelows em “Caeu”

Liniker e Os Caramelows em “Zero”:

Liniker e Os Caramelows em “Zero”

Salada das Frutas em “Louise du Brésil”:

Salada das Frutas em “Louise du Brésil”