Cotidiano

Mostra inclui várias fases de Lucia Laguna, dos abstratos ao figurativismo

63031890_SC - Exposição de Lucia Laguna no MAR - Paisagem nº 81.jpgQuando despontou na cena artística carioca, em janeiro de 1998, com sua primeira individual (na Candido Mendes) Lucia Laguna ainda era tratada como uma professora aposentada que resolvera pintar. Não demorou muito para que a profissão que abraçara com dedicação por toda a vida deixasse de ser citada como um aposto de seu nome. Lucia era uma artista, ponto. Consagrada em 2006, aos 65 anos, com sua inclusão no programa Rumos Itaú Cultural e como uma das vencedoras do prêmio Marcantonio Vilaça, ela arrebatou o olhar de críticos e curadores com telas abstratas que retratavam o que via da janela de sua casa, no bairro de São Francisco Xavier, Zona Norte da cidade. Parte dessa produção mais antiga, acrescida de obras realizadas recentemente, estão na exposição ?Enquanto bebo a água, a água me bebe?, até 26 de fevereiro no Museu de Arte do Rio.

? Lucia é uma pintora que faz muito mais do que pintar ? diz Clarrisa Diniz, curadora da mostra ao lado de Cadu. ? E que dentro desse universo do ?muito mais? inclui uma sofisticada colaboração com muitas pessoas que com ela elaboram, pensam muito, reveem o mundo a partir da criação desses últimos anos.

Lucia começou retratando, de forma abstrata, a arquitetura irregular do subúrbio, com um processo muito particular que segue até hoje: cola fitas adesivas nas telas, pinta sobre elas, retira-as e recomeça. Foi assim que fez, por exemplo, a série ?Entre a Linha Vermelha e a Linha Amarela?, no início dos anos 2000. Hoje, sua produção passa por três temas: a paisagem exterior permanece, mas a ela foram acrescidos o que se vê da janela para dentro ? o ateliê, com seus objetos ? e, mais recentemente, o jardim no quintal da casa, meio do caminho entre o fora e o dentro.

?SEMPRE GOSTEI DE ME AGRUPAR COM PESSOAS?

O conjunto de telas oferece uma perspectiva apurada da produção da artista.

? A exposição tem um equilíbrio curioso entre ser uma retrospectiva e também dar conta do que há de mais urgente na produção atual da artista ? observa Clarissa. ? Talvez metade seja de pinturas feitas neste ano, e com isso estamos falando da possibilidade de entender o que agora a inquieta, mobiliza Lucia e toda a sua equipe, ao mesmo tempo que colabora no entendimento desse percurso.

Quando fala em ?toda a sua equipe?, é para ser entendido ao pé da letra.

? Sempre gostei de me agrupar com pessoas, de trocar ideias, e estava sempre com gente no ateliê. Chegou um momento em que essa produção foi ficando extensa, eu não dava mais conta de fazer. Além do que, tem a questão da idade, a gente vai ficando mais velhinha ? conta Lucia, hoje com 75. ? O companheirismo e a participação são fundamentais no meu trabalho. Eu não vivo sozinha, trabalho com uma turma que sustenta o que faço.

Com seus atuais colaboradores ? Davi Baltar, Claudio Tobinaga, Sumara Rouff e Claudio Oliveira ?, Lucia conversa sobre arte e cultura e troca ideias sobre pintura. A começar pela sua. É normal pedir a um deles que inicie o trabalho. Ou ainda que interfira sobre o que já pintou, para que continue a partir dali. Outra prática comum é girar a tela, acrescentando elementos que fazem com que a obra, ao final, muitas vezes funcione em qualquer posição. A artista percebeu, ao longo do processo, que pessoas diferentes têm olhares distintos sobre o mundo, outros desejos, e que essa cooperação era boa.

? Mas a decisão final é sempre minha. Se o quadro fica na horizontal ou na vertical, se a composição vai ser modificada. Sou eu que assino a tela ? diz.

As telas mais recentes trazem elementos mais figurativos ? às vezes algo do mobiliário, como um banco, peça cuja forma a atrai particularmente, ou uma escada.

? A minha pintura está muito ligada à minha vida. Cada vez que dou um passo me surpreendo com o que está acontecendo ali, vou crescendo junto ? comentou ela na Conversa de Galeria realizada no MAR, onde, ao lado das pinturas, também é possível ver algumas colagens com as fitas adesivas utilizadas nas obras e ainda peças de mobiliário, como os bancos de que tanto gosta.