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Monges belgas lançam site para vender "a melhor cerveja do mundo"

Cerveja trapista de Westvleteren, produzida por monastério belga, estava sendo vendida em cadeia de supermercados holandesa por valores cinco vezes mais altos

Monges belgas lançam site para vender "a melhor cerveja do mundo"

Ela é descrita como a cerveja mais vendida do mundo: cerca de cinco mil barris são esvaziados anualmente pelos monges trapistas da abadia de St. Sixtus, de Westvleteren, na cidade de Vleteren, a 126 km de Bruxelas, na Bélgica. Os bebedores, tentados pela aparência negra da cerveja, procuram por uma passagem aérea em promoção na baixa temporada para marcar seus horários e visitar o templo religioso cristão e… cervejeiro.

No entanto, mesmo os irmãos reclusos do monastério estão mudando com os tempos: para permanecer na dianteira de quem procura vender a cerveja trapista por preços inflacionados, a abadia anunciou neste mês que vai transformar seu negócio em um e-commerce. Um site já foi inaugurado para que os clientes possam encomendar até duas caixas, com prioridade para quem ainda não provou a bebida.

Os consumidores, porém, ainda precisam ir pessoalmente à loja da abadia, em uma fazenda belga, para buscar suas compras. O irmão Manu van Hecke, abade de St. Sixtus, disse ao jornal The Guardian que está determinado a garantir que seu monastério manterá o controle da produção e da venda depois de um incidente em que as garrafas da cerveja apareceram em um mercado holandês.

“O novo sistema de vendas está alinhado com as necessidades de muitos entusiastas de Westvleteren. Nós pensamos por muito tempo sobre uma alternativa amigável e boa aos consumidores. As vendas de cervejas na abadia vão continuar exclusivamente voltadas para clientes privados”, disse.

“A loja online, no entanto, é acessível apenas para clientes, não para profissionais. Nós queremos dar a oportunidade de comprar uma Westvleteren ao preço correto para a maior quantidade de gente possível. Quem não aderir às regras de vendas e quiser abusar do sistema terá o acesso à loja negado”, completou.

Uma caixa com 24 garrafas da Westvleteren mais cara custa €45 (cerca de R$ 190 na cotação de julho) comprando diretamente na abadia. O novo sistema online permite que os monges liguem os produtos aos clientes por meio de um perfil cadastrado com data de nascimento, endereço, número do telefone, e-mail e número da placa do veículo (se tiver).

No ano passado, os monges de St. Sixtus — que receberam sua primeira licença de funcionamento assinada pelo rei Leopoldo I, em 1839, expressaram seu desapontamento quando descobriram que a rede de supermercados holandesa Jan Linders estava vendendo três tipos da renomada cerveja sem a autorização ou o conhecimento do monastério. Pior do que isso, o preço era cinco vezes maior.

As chamadas cervejas trapistas, oriundas dos mosteiros da Ordem Trapista, muito comuns na Bélgica, têm até um selo de autenticidade (o ATP – Authentic Trappist Product). Desde os anos 1930, os produtores desse tipo da bebida estão envolvidos em brigas judiciais pelos direitos do termo “trapista” nos rótulos das garrafas. Em 2015, apenas 12 cervejas em todo o planeta tinham o selo ATP: seis na Bélgica, duas na Holanda, uma na França, uma na Áustria, uma na Itália e uma nos Estados Unidos.

A Ordem Trapista é, na verdade, um grupo católico iniciado no século 17 na Europa pelo teólogo francês Armand Jean Le Bouthillier de Rancé, que, em uma visita ao mosteiro de Notre-Dame de la Trappe, na região francesa da Normandia, em 1662, notou que as instalações do prédio, fundado no ano de 1140, estavam em ruínas, resolvendo reformá-lo.

O trabalho de Rancé com os monges durou seis anos, mas, antes de ser finalizado, ele se tornou abade pelo bispado de Sées, que administrava o mosteiro de La Trappe. Assim, antes mesmo de terminar a reforma do edifício secular, tornou-se o seu principal líder espiritual.

Sua medida mais importante no comando de La Trappe foi defender a chamada “estrita observância” das regras monásticas da Igreja Católica, em contraposição à “comum observância” praticada por algumas ordens cristãs da época, que eram menos rígidas em relação aos modos de se viver.

Rancé acreditava que a religião precisava retornar a um sacrifício “autêntico” dos indivíduos, ainda que os monges pudessem viver em comunidade, e não sozinhos como em alguns monastérios europeus. O silêncio era uma das tarefas essenciais da aproximação com Deus. Por causa do nome da cidade, a ordem fundada por Rancé ficou conhecida como “trappiste” (em português, “trapista”).

Em suas reclusões, os monges produziam diversos produtos, como queijos, pães e… cervejas. No entanto, ao contrário dos alemães, que se mantiveram fiéis às maneiras de fazer a bebida – com lúpulo, malte, fermento e água –, os monges belgas utilizavam diversos outros produtos, de frutas a tipos de chocolates, o que gerou uma diversidade de sabores entre os mosteiros que se dedicavam a esse tipo de trabalho.

Um dos métodos comuns das trapistas é o tipo de brassagem: a água é passada pelo mosto de três a quatro vezes, constituindo a chamada “cerveja tripla”, que, da mesma forma, é três vezes mais forte que a comum. Depois desse processo, diversos ingredientes particulares são adicionados, como chocolates, cascas de frutas e especiarias, dando uma aura de exclusividade para cada mosteiro que produz a bebida. Enfim, quando o trabalho termina, as garrafas jamais são colocadas para gelar: elas são armazenadas nos próprios mosteiros, onde são vendidas para financiar causas sociais.