Cotidiano

Equipes de empresas recebem treinamento antiterror

2016 921946212-201607071549263817.jpg_20160707.jpgRIO ? No dia primeiro de julho, um casal estava junto ao Cristo Redentor. Não fotografava. Parecia analisar o local. Avaliava detalhes do pedestal e da trilha próxima. Tal atitude, pouco comum a um turista, chamou a atenção de uma pessoa que trabalha no Corcovado, que fotografou a dupla e encaminhou a imagem ao guarda municipal Marco Antônio do Carmo, líder operacional da GM no monumento. A foto, repassada por Marco a seus superiores, foi parar nas mãos de autoridades federais. Diretor de Inteligência da Secretaria Extraordinária de Segurança para Grandes Eventos, do Ministério da Justiça e Cidadania, o delegado William Murad tem conhecimento do fato, mas mantém o desfecho sob sigilo. A testemunha e o guarda não ficaram sabendo se o casal consta de alguma lista de procurados, mas estão certos de que seguiram à risca o que aprenderam num curso para identificar suspeitos de atos terroristas.

Uma grande ?tropa? civil está sendo treinada por órgãos como Ministério da Justiça, Marinha (brasileira e americana), Exército, Polícia Federal, Secretaria de Segurança e unidades especializadas da PM, com o objetivo de multiplicar os olhos antiterror na Cidade Olímpica. Por meio de palestras, estágios e exercícios, empregados de concessionárias de serviços públicos, pontos turísticos e museus estão sendo capacitados para observar comportamentos e detectar possíveis sinais suspeitos. As cerca de 150 pessoas que trabalham no Museu de Arte do Rio (MAR), na Praça Mauá, por exemplo, foram treinadas pela Marinha. No dia 18, será a vez do pessoal do Museu do Amanhã. Nos próximos dias, a Secretaria de Segurança lançará uma campanha em mídias digitais para alertar a população em geral, como informou o colunista Ancelmo Gois.

? Antes, quando eu encontrava um objeto deixado num canto, minha atitude era pegá-lo, guardar e ver se aparecia o dono. Agora, isolo o local com cones e fitas. Depois, fotografo o objeto e mando para a Guarda, que encaminha para o Centro de Operações da prefeitura, onde tem sempre alguém do Esquadrão Antibombas para avaliar o risco ? ensina o guarda Marco.

Operadora de caixa do Café Cristóvão, no térreo do prédio do MAR, Laylla Santos também aprendeu a lição:

? Se eu achar uma bolsa ou uma mochila, não vou mexer. Pode ser simplesmente algo perdido. Mas, na dúvida, devemos chamar a segurança.

Hannah Drumond, gerente de comunicação do MAR, outra que acompanhou a palestra, diz que é preciso estar atento a tudo o que é anormal:

? Cheiros e líquidos podem ser indícios de arma química. É o caso do cheiro de grama cortada, de terra molhada ou de amêndoas, quando não há nada disso por perto. Uma garrafa com líquido vermelho colocada nos pilotis também serve de alerta. Uma pessoa que num dia de calor usa vários casacos, boné, rosto tapado, é mais um sinal.

MUSEU TERÁ PLANO DE EVACUAÇÃO

Além de treinar o seu pessoal, o MAR adotou medidas visando a garantir a segurança daqueles que forem ao museu nos Jogos ? a expectativa é que duplique o número de visitantes, que é de 1.130 em média por dia. A lateral do museu terá um gradil para acomodar a fila de acesso. Haverá um único portão de entrada e saída, e todos passarão por detectores de metal. Bolsas deverão ser deixadas num dos 420 escaninhos do guarda-volume.

Já o treinamento da equipe do Museu do Amanhã incluirá até um plano de evacuação do prédio, conta o diretor-geral Ricardo Piquet:

? Além disso, a Marinha fará a vigilância da área externa do museu. Estão para chegar os oito detectores de metal que contratamos, que ficarão na entrada. A saída do público será feita só por trás, onde haverá oito catracas coletoras dos ingressos, quatro de cada lado. Assim, teremos o controle de quem ainda está no museu.

Como medida de segurança para a Olimpíada, a concessionária Trem do Corcovado também decidiu comprar dois portais com detectores de metal. A checagem acontecerá antes da entrada no trenzinho. Há seis meses, a empresa contratou ainda policiais do Proeis (Programa Estadual de Integração na Segurança), em segundo emprego, para reforçar o patrulhamento.

? Outra medida que estamos avaliando é trocar as mochilas dos visitantes por sacos plásticos. Eles colocariam seus pertences no saco e, na volta da visita, devolveríamos a mochila ? conta Sávio Neves, diretor da concessionária.

?É preciso observar o comportamento de pessoas aparentemente nervosas e que, estando no Cristo, em vez de fotografar a estátua e a paisagem, focam em câmeras e portas ? ensina um consultor de segurança das concessionárias Trem do Corcovado e Paineiras-Corcovado, que fez curso antiterrorismo no Comando Militar do Leste (CML) e tem ministrado palestras no Cristo para repassar os ensinamentos.

MONITORAMENTO NA ARQUIDIOCESE

Reitor do santuário do Cristo Redentor, padre Omar Raposo informa que serão instaladas 20 câmaras no local. Uma central de monitoramento está sendo montada na Glória, na sede da Arquidiocese. O monumento e seus acessos serão monitorados pelas forças de segurança. Não ficarão de fora nem as trilhas, patrulhadas pelo Comando de Policiamento Ambiental. A Arquidiocese , no entanto, quer ampliar ainda mais o cinturão de segurança do Cristo, e está pedindo que as Forças Armadas e a Força Nacional ocupem a área.

Desde abril, também tem sido treinado o pessoal que trabalha na concessionária CCR Barcas. Eles participaram de cursos e exercícios com militares da Marinha brasileira, da Força de Operações Especiais da Marinha Americana (SEALs) e do Bope. Quinze PMs do Batalhão de Ações com Cães também fizeram uma simulação numa embarcação: no exercício, cães farejadores procuraram por drogas, armas e substâncias explosivas. Desde então, Adriana Silveira Vaz, uma das comandantes da Barca Corcovado, passou a observar ainda mais os passageiros no embarque e na travessia:

? Sempre que vemos um passageiro inquieto, chorando ou indo muito ao banheiro, acompanhamos.

Também já participaram de palestras e simulações equipes da Companhia de Desenvolvimento Urbano do Porto (Cdurp), do VLT, da Rodoviária Novo Rio, da concessionária Porto Novo, da MetrôRio e da SuperVia. Na Novo Rio, câmeras de monitoramento estratégico foram ligadas ao Centro Integrado de Comando e Controle (CICC). Para os Jogos, o CICC vai dispor de mais de cinco mil câmeras (duas mil na Região Metropolitana, 1.500 em veículos da PM e duas mil que estão sendo colocadas em rotas e instalações olímpicas). Os atendentes do serviço 190 fizeram o treinamento, e, hoje, será a vez da equipe do Disque-Denúncia. Há palestras previstas ainda para profissionais de Cedae, Fetranspor, Light e Detro.

Segundo a MetrôRio, não só seus 400 agentes de segurança, mas todos os funcionários ? de bilheteiros a profissionais de limpeza ? receberam treinamento. A SuperVia diz que este ano mais de 700 pessoas, incluindo terceirizados, receberam treinamento com foco na percepção a ameaça terrorista e providências a serem adotadas em casos de ataque. No dia 16, está previsto um grande simulado na estação Deodoro, que reunirá Forças Armadas, polícias Civil e Militar, Corpo de Bombeiros, Defesa Civil e Agência Brasileira de Inteligência (Abin). A ação simulará um ato terrorista num trem, com explosão de bomba, feridos e reféns.

ATÉ LIXEIRAS REPRESENTAM PERIGO

Em meio à preocupação com a segurança durante a Olimpíada, sobrou até para as papeleiras espalhadas pela cidade: descartar o lixo em determinadas ruas será uma tarefa difícil durante o evento. Cerca de dez mil das 70 mil ?laranjinhas? instaladas no Rio serão retiradas durante as competições de rua e reinstaladas pela Comlurb depois das provas. Além disso, lixeiras de maior capacidade podem ser deslocadas para ficar longe de aglomerações. A informação é do presidente da Comlurb, Luciano Moreira, que prepara uma operação de logística complicada para montar e desmontar as cestas no mesmo dia. A medida atende a uma orientação, dada no fim de junho, por autoridades da área de segurança, durante uma reunião de planejamento do evento.

A preocupação dos órgãos de segurança é que as papeleiras possam servir de esconderijo para explosivos, caso haja alguma tentativa de ato terrorista durante o evento. Papeleiras foram usadas, por exemplo, para esconder as duas bombas caseiras feitas com panelas de pressão, que explodiram no dia 15 de abril de 2013, durante a tradicional Maratona de Boston, nos EUA. O ataque deixou três mortos e 264 feridos, dos quais 17 tiveram membros amputados. As bombas foram escondidas perto da linha de chegada.

?LOBOS SOLITÁRIOS? SÃO MOTIVO DE PREOCUPAÇÃO

A principal preocupação do Comando Conjunto de Prevenção e Combate ao Terrorismo (CCPCT), do Ministério da Defesa, durante a Olimpíada do Rio, é com a ação dos chamados ?lobos solitários?. Nesse tipo de ação, o simpatizante do terrorismo age sozinho, sem o apoio logístico de grupos radicais, o que dificulta as ações de prevenção e repressão. O CCPCT foi criado em janeiro de 2015 ? dentro dos preparativos para o evento ? e tem a participação das três Forças. Na semana passada, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) revelou, como mostrou O GLOBO no sábado, que já monitora pelo menos cem pessoas que teriam, segundo o órgão suspeita, potencial para cometer atos de violência durante o evento.

A maior parte dos suspeitos é de origem estrangeira e está em áreas de fronteira, como Rio Grande do Sul, Paraná e Mato Grosso do Sul. Todos eles demonstraram simpatia por ações patrocinadas pelo Estado Islâmico.

A Abin sabe, inclusive, que pessoas ligadas ao EI criaram um grupo para trocar mensagens em português, através do aplicativo ?Telegram?. A comunidade, chamada Nashir Português, foi criada no dia 20 de maio deste ano . Uma das mensagens trocadas reproduz um discurso de Abu Muhammad al-Adnani, porta-voz do Estado Islâmico. A Abin observou que o uso de redes sociais é uma prática da entidade não apenas no Brasil como em outros países em todo mundo, principalmente para recrutar jovens.

O plano de prevenção que as autoridades federais desenvolveram prevê 25 cenários sobre como poderiam ser esses ataques terroristas e como combatê-los. Um desses cenários, tema de um treinamento de militares em Brasília há algumas semanas, por exemplo, estabelece como proceder no caso de ataques simultâneos em vários locais, como aqueles que provocaram 137 mortes (incluindo sete terroristas) em Paris, em novembro do ano passado. Ao todo, o Comando Conjunto de Prevenção e Combate ao Terrorismo terá 1,1 mil militares no Rio durante o evento, incluindo atiradores de elite e ?snipers?.

SINAIS DE ALERTA

cheiro: Odores de amêndoas, terra molhada ou grama cortada podem indicar a presença de arma química.

bolsas: Malas e outros objetos não devem ser tocados, especialmente aqueles que contêm manchas molhadas ou odores químicos, fios expostos e deixados em áreas restritas.

comportamento: Ziguezaguear de um lugar para outro; fingir estar só; parecer estar evitando a polícia; resistir a cooperar com os procedimentos de segurança; estar confuso e desorientado; agir com muita arrogância e se concentrar em um ponto de interesse de forma diferente de um turista.

suspeito:Usa roupas volumosas e incompatíveis com o clima; tem fios exposto sob a roupa (possivelmente através da manga); postura rígida (indica possível dispositivo explosivo ou arma); mãos apertadas (possível dispositivo de detonação); sudorese; parece focado e vigilante; mãos nos bolsos; não responde a saudação; com mochila ou sacola pesada.

Colaborou Luiz Ernesto Magalhães