Cotidiano

Discurso emocional, mas sem novidades, é pouco para mudar panorama

Foram 45 minutos, ao que tudo indica, do último discurso de Dilma Vana Rousseff como presidente do Brasil. Como previsto, teve um tom emocional, com argumentos técnicos deixados em segundo plano, e até um inusitado pedido derradeiro de voto, como numa campanha eleitoral: “Votem contra o impeachment!”, pediu ela, no púlpito do Senado. Serviu para os livros de História, mas dificilmente vai alterar o panorama.

Com Lula e Chico Buarque impassíveis nas galerias do Senado, Dilma usou o discurso do “golpe” em pelo menos cinco momentos, comparou outras vezes o impeachment com a perseguição sofrida por ela na ditadura e buscou desqualificar os adversários à frente do processo, fitando alguns deles, sentados poucos metros à frente, como o tucano Aécio Neves.

Foi séria e dura na maior parte do tempo, só se emocionando ao mencionar mais detalhadamente a tortura sofrida durante o regime militar e o câncer, diagnosticado em 2009. Admitiu ?erros? apenas uma vez, de forma tímida, quase protocolar.

Um dos poucos argumentos novos apresentados por ela foi a afirmação de que o governo Temer, se efetivado, representa ameaças às conquistas da era PT. Para isso, Dilma valeu-se ora de erros concretos da administração interina, ora de meras especulações.

Disse, por exemplo, que a atual composição ministerial mostra que estão ameaçados direitos de mulheres, negros e homossexuais. Citou a proposta de criação do teto para gastos, que, em sua visão, fechará escolas e hospitais. E até a proibição hipotética de saques do FGTS.

Dilma também tentou reescrever a história ao afirmar que o impeachment só foi aberto porque ela se recusou a ceder às chantagens de Eduardo Cunha, que lutava para tentar arquivar o processo contra ele no Conselho de Ética. Como se sabe, Cunha abriu o impeachment num ato claro de vingança, mas o governo, ao contrário do que disse a presidente afastada, tentou até o último minuto trocar os votos petistas no conselho pelo arquivamento do impeachment, por meio do então chefe da Casa Civil, Jaques Wagner. Ou seja, ela jogou o jogo da chantagem. E perdeu.

Em resumo, no último ato, Dilma repetiu argumentos exaustivamente apresentados, dos mais honestos àqueles que distorcem fatos em prol de uma narrativa. E, por isso, parece improvável que tenham efeito diferente do que tiveram até agora. (Alan Gripp é editor de País)