Opinião

Dinheiro e transformação

Opinião de Coriolano Xavier

Ver para onde está indo o dinheiro é sempre um eficiente indicador sobre tendências do mundo econômico e empresarial. Em 2019, o investimento em empresas de tecnologia agroalimentar – as chamadas Agri-FoodTech Startups – alcançou US$ 19,8 bilhões e, nos últimos cinco anos, o crescimento dos investimentos nesse segmento do agronegócio foi de 250%. Em dólares, 2019 representou recuo de 4,8% frente a 2018, mas em cenário com uma queda mundial dos investimentos de capital de risco da ordem de 16%. Ou seja, a vanguarda do agronegócio continua sendo uma estrela na galáxia dos investimentos.

Os dados são do Agri-FoodTech Investing Report 2019. Segundo o relatório, o interesse dos investidores avançou no “depois da porteira”, somando 7,6 bilhões no período, com expansão de 1,3% sobre o ano anterior. Mas foram investimentos que em certo sentido ficaram próximos da produção rural, pois feitos em startups voltadas à produção inovadora de alimentos. Duplicou o investimento em empresas de alimentos inovadores, principalmente na área de carnes e laticínios (US$ 1 bilhão). E aplicações no que o mercado denomina Novel Farming System (novo sistema agrícola), e inclui a produção vegetal vertical, cresceram 38%.

Foram quase 2.000 negócios recebendo os polpudos recursos, destacando-se operações alternativas de carne, agricultura em ambiente fechado, entrega robótica de alimentos e cozinhas em nuvem (uma novidade aqui no Brasil). Mas proteína animal e agricultura vertical foram os principais impulsionadores no aumento dos investimentos no pós-porteira. E mais de 2.300 investidores fizeram essa festa, com uma mudança de perfil: a base de investidores em Agri-Food Tech está cada vez mais mainstream (convencional), com a entrada de grandes players e corporações globais para participar.

Na Europa, o financiamento a novas tecnologias agroalimentares aumentou 94%, com destaque para o Reino Unido. Cresceu também nos Estados Unidos, onde o grande bolo de dinheiro ficou na Califórnia (devido ao Vale do Silício), superando a soma dos investimentos recebidos por outros estados norte-americanos. Na América Latina, os alimentos inovadores ganharam fôlego e levantaram US$ 1,4 bilhão, crescendo 40% no volume de negócios. De qualquer forma, ainda sinalizando que um protagonismo tecnológico global, nesta específica área, por enquanto não está no horizonte do continente.

Uma nota de novidade no padrão das aplicações em Agri-food Tech dos últimos anos foi o declínio do interesse pelo segmento de entrega de alimentos ao consumidor, com um recuo de 56% frente aos recursos aplicados no ano anterior. E parece ser reflexo da saturação desse mercado, combinada com a consolidação de alguns de seus operadores mais maduros, o que representou um esfriamento de oportunidades na área. Curiosamente, cresceram os investimentos em tecnologias para os varejistas criarem suas próprias opções de entrega.

Esse comportamento dos investimentos mundiais em Agri-Food Tech Startups mostra que o sistema de produção e consumo alimentar está em transformação, talvez até mais acelerada do que se imaginava cinco anos ou uma década atrás. Depois de plantar novos conceitos na produção agropecuária em si, as empresas de tecnologia focam agora em alimentos inovadores e jornada de compra inovadora. Sem adiantar juízos de valor, de uma coisa pode-se ter quase certeza: são mudanças que, se ocorrerem, trarão um impacto reverso sobre toda a cadeia produtiva de alimentos.

Coriolano Xavier, membro do CCAS (Conselho Científico Agro Sustentável) e professor da ESPM