Política

Delator: propinas e caixa 2 somam R$ 500 milhões

São Paulo – O empresário Antônio Celso Garcia, o Tony Garcia, é o delator que levou para a cadeia na última terça-feira (11) o ex-governador do Paraná Beto Richa (PSDB). Em entrevista ao Estadão ele dá detalhes de um esquema que pode ter rendido entre R$ 400 milhões e R$ 500 milhões em propinas e caixa 2 nas campanhas eleitorais. Na avaliação do delator, a corrupção se instalou no Governo Beto Richa “tão idêntica quanto a do Lula, como do Sérgio Cabral”.

“O PT tem pixuleco, e o PSDB tem tico-tico”, afirmou, em alusão à expressão tico-tico usada por Beto Richa em uma conversa gravada por Tony Garcia. Segundo os investigadores, o tucano estava se referindo a propina e comentou, na ligação grampeada, atraso nos repasses.

O ex-governador foi preso pela Operação Radiopatrulha, do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), braço do Ministério Público do Paraná. Richa também é alvo da Operação Lava Jato, que fez buscas em sua residência no mesmo dia da prisão. A Lava Jato suspeita de ligação do ex-governador com recebimento de propinas da Odebrecht, que teria sido favorecida em contrato de duplicação da PR-323, no interior do Paraná.

Na Operação Radiopatrulha também foram presos Fernanda Richa, esposa do tucano, Pepe Richa, irmão dele, e Deonilson Roldo, ex-chefe de Gabinete do Estado apontado como um fiel aliado de Beto Richa. As prisões estão relacionadas a investigações sobre supostos desvios de verbas no Programa Patrulha do Campo, para manutenção de estradas rurais entre 2012 e 2014.

Segundo o inquérito, há indícios de direcionamento de licitação para beneficiar empresários e pagamento de propina a agentes públicos, além de lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça.

Além de grampos telefônicos, a investigação do Gaeco tem como base a delação de Tony Garcia. “Um delator que demonstra ter uma boa memória. Em cerca de uma hora de entrevista ao Estadão, ele lembrou com riqueza de detalhes do dia em que afirma ter entregue ‘220 mil e uns quebrados’, em dinheiro vivo, na casa do tucano, em Curitiba. O dinheiro, contou, estava em um envelope com um papel amarelo colado, dentro de uma sacola de plástico”, cita a jornalista Julia Affonso na reportagem.

Ao questionar quanto Beto Richa teria arrecadado em propinas, Tony pergunta: “De que assunto?”, ao responder “durante a vida”, ele revela: “Se for ver todas as coisas que estão investigando ele, se metade for verdade, eu diria que fácil passaria de R$ 400 milhões, R$ 500 milhões. Fácil. (…) Doação de campanha e propina é uma coisa só. Isso se inventou, caixa 2, foi o Lula que inventou lá atrás caixa 2. Mas na verdade o que é isso? É propina. Não existe almoço de graça. Se alguém está fazendo alguma coisa… Eles combinaram previamente que o preço que eles colocariam na Patrulha daria para eles tirarem 8% do bruto e passar a título de contribuição de campanha, título disso ou daquilo outro. Você usa o dinheiro para o que você quiser.”

Foi com Tony a conversa na qual Beto fala no “tico-tico”, e ele explica: “O PT tem pixuleco e o PSDB tem tico-tico. Quando o Beto falou isso para mim, é porque eles atrasavam as faturas. O combinado era o seguinte: a partir do momento que pagasse uma fatura, em 10 dias se arrumava, se precisava para fazer os 8% dinheiro, grana, para operar, visto a dificuldade para tirar, sacar isso de banco. Tinha 6 milhões atrasados, eles pagavam uma fatura de 2 milhões. Então, 160 eles tinham que arranjar em 10 dias para dar isso aí. Quando ele fala que o Celso [Frare, também preso] tinha dito que tinha entrado o tico-tico, era porque o Celso tinha 7 para receber e tinha entrado 10 e pouco. Esse era o tico-tico que ele falou que tinha entrado.”

O delator conta ainda sobre a entrega de propina em espécie: “Eu levei [dinheiro] na casa dele. (…) O Beto não queria que entregasse mais para o irmão dele nem para o Luis Abi, queria para o Ezequias [Moreira, também preso]. Fui levar para o Ezequias, quando o Celso me entregou, e ele não quis receber. Eu falei: ‘eu não vou ficar com isso no carro, o Beto mandou entregar para você, vai ficar aqui’. Ele falou: ‘se você me der, eu jogo no chão e não vou botar no carro’. A gente estava em um bar de um hotel. Eu saí de lá, o dinheiro estava num sacola. (…) Liguei para o Beto e fui na casa dele. Ele ficou bravo comigo porque eu levei dinheiro lá: ‘você está louco, a Fernanda está aqui, você vai deixar dinheiro aqui em casa? Você é louco de trazer aqui’. Eu falei que não ia ficar com aquilo. Ele não quis ficar, eu fui na casa do Pepe e deixei lá”. Segundo ele, tratava-se de “R$ 222 mil e uns quebrados” que estavam em uma sacola de plástico.

Ameaças

Considerado o “homem-bomba” que levou boa parte da cúpula do Governo Beto Richa para a cadeia, Tony Garcia diz que foi ameaçado. “Sofri na semana passada do Joel Malucelli [empresário] por meio de um amigo em comum que eu não quero falar o nome. Me procurou: ‘sou seu amigo, amigo do Joel, queria te falar um negócio. O Joel me chamou agora e me falou que ele te gravou. Falou que você falou de Eduardo Cunha [ex-presidente da Câmara dos Deputados], de ligação com Eduardo Cunha, que você falou do jatinho do Beto, que você foi falar com Aécio [Neves]. Ele falou que se tiver alguma coisa de Patrulha, pensa bem senão ele vai te ferrar’. Ouvi tudo, agradeci e falei com o Joel. Falei: ‘Joel, acabei de receber um amigo nosso que disse que você me gravou. Primeiro, eu não tenho preocupação que você me gravou. Tudo o que eu falei é verdade. Se você acha que isso aí você pode usar contra mim, use já. Agora não me ameace’. Eu deixei tudo por escrito para ele não alegar desconhecimento. Tudo isso eu entreguei para o Ministério Público. Eu não tenho medo de ameaça. Se eles vão fazer jogo sujo, se vão fazer o que for, tudo bem”.

Conflitos

Aliado de Beto Richa durante muitos anos, Tony Garcia acompanhou de perto o programa Patrulha do Campo que teria sido fraudada, conforme o Ministério Público. Disse ter sido procurado para apresentar a proposta a Beto, que só teve dinheiro em 2012. “A partir do momento que ele falou para mim que podia fazer, eu apresentei o Celso Frare para o Pepe [Richa], apresentei para o Beto e começaram as tratativas. No meio do caminho, começou muita confusão quando eles começaram a mexer com essa licitação. Começaram a brigar entre eles. (…) Eu alertei o Beto: ‘Estão começando a fazer esse negócio daqui a pouco dá bobagem’. Começou confusão atrás de confusão.”

Segundo ele, a partir de então um começou a gravar o outro, mas o negócio continuou ainda por mais dois anos.