Opinião

Coluna Amparar

“Por que tenho tanto medo de água?”

Amparar
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José Luiz Ames

Rosana Marcelino

 

No trabalho com constelações familiares nos deparamos, por vezes, com histórias que mais parecem um roteiro de filme. O texto de hoje é um desses. Vamos tratar de um caso de trauma de água que trazia dificuldades a um cliente.

Um jovem de cerca de 35 anos se inscreveu em uma vivência em constelações, um seminário intensivo de final de semana. A questão que ele nos trouxe foi de um medo, quase um pânico, de água. Contou que desde a infância tinha receio de água e evitava entrar em rio ou piscina. Agora, aos 35 anos, esse medo havia tomado proporções que atrapalhavam a sua vida profissional. Cada vez que precisava fazer uma viagem de negócios corria para olhar o mapa a fim de verificar se havia rios a serem atravessados. O medo chegou ao ponto de, quando havia pontes a atravessar, ele mudar o percurso a fim de evitá-las.

A questão foi colocada em uma constelação. A primeira coisa que se mostrou foi de que ele estava vinculado a um morto que trazia muito sofrimento ao nosso cliente. O cliente não tinha informação concreta que pudesse ajudar na elucidação. Na técnica da constelação chamamos essa identificação com um antepassado de “enredamento”. Trata-se de uma dinâmica pela qual um posterior coloca sobre os seus ombros a história de vida de um anterior a fim de compensar o mal cometido contra ele.

O cliente pernoitou na casa de familiares. Conversando com os parentes, uma tia paterna lhe contou a seguinte história. O bisavô de nosso cliente teria morrido afogado de modo trágico. Conforme o relato da tia, esse bisavô tinha terras no Paraguai que foram invadidas por nativos a fim de expulsá-lo. Esse bisavô tinha um casal de filhos: uma menina já pré-adolescente e um menino de colo, que vinha a ser o avô de nosso cliente. Na fuga tiveram que atravessar um rio. Ao chegar à margem, o bisavô pediu que a esposa atravessasse o rio com as crianças enquanto ele tentaria retardar os nativos. Quando a família já havia praticamente atravessado o rio, o bisavô foi atingido por uma bala e morreu. A família se salvou.

No dia seguinte, nosso cliente retornou para a vivência e contou essa história, com muitos detalhes que omitimos aqui por questões de espaço. A partir dessas informações uma nova constelação foi feita. Mostrou-se que esse bisavô havia morrido em muito desespero, sem saber o que sucedera à esposa e aos filhos. Seguiram-se as dinâmicas de praxe de uma constelação nas quais o representante do cliente foi orientado a “contar” ao bisavô o que havia acontecido na sequência e de que a morte dele não havia sido em vão: a família havia se salvado e os descendentes já estavam na quarta geração.

Qual o desdobramento dessas constelações na vida de nosso cliente? Após cerca de meio ano tivemos notícias dele. Ele nos relatou que o pavor de atravessar pontes e pânico de água foi se dissolvendo gradativamente quase sem se dar conta. Naquela altura ele já não sofria mais para atravessar um rio. Não corria mais para os mapas para traçar seu roteiro de viagem!

Esta constelação familiar mostrou a força de diluição de traumas. As transformações em geral são lentas, como é o movimento da alma na qual elas acontecem. Em geral o cliente só as percebe no curso do tempo e não no momento em que acontecem.

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JOSÉ LUIZ AMES E ROSANA MARCELINO são terapeutas sistêmicos e conduzem a Amparar – whatsapp https://bit.ly/2FzW58R (45) 9 9971-8152