Cotidiano

Academias de Jacarepaguá ensinam como se tornar samurai ou ninja

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RIO ? Tom Cruise não foi ?O último samurai?. Nem eles estão extintos, como pretendia a Restauração Meiji, o movimento governista do final do século XIX que buscava modernizar o Japão, conforme mostra o filme. Mais do que isso, eles estão entre nós, e desenvolvem sua filosofia em Jacarepaguá, assim como os ninjas, outra linhagem de guerreiros.

Os samurais treinam no Instituto Cultural Niten, que surgiu há 23 anos em São Paulo, mas tem várias unidades em Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, México, Portugal e Uruguai. O fundador e coordenador da instituição no Rio de Janeiro, Wenzel Böhm, explica que eles seguem os ensinamentos do sansei Jorge Kishikawa, um ex-lutador de kendo que pesquisa os antigos samurais e, inspirado nos ensinamentos do mais importante deles, Miyamoto Musashi, desenvolveu uma metodologia para seus alunos seguirem o bushido, que é a filosofia de vida dos guerreiros.

Segundo o professor Pedro Erber ? PhD em literatura asiática pela Universidade de Tóquio e curador da exposição ?A emergência do contemporâneo: a vanguarda no Japão, 1950-1970?, em cartaz no Paço Imperial a partir de quinta ?, os samurais pertenciam a uma classe social de guerreiros que serviam aos senhores feudais, líderes militares que recebiam do imperador o título de shoguns. Também existiam os samurais que não pertenciam a nenhum clã, e por isso recebiam o nome de ronins.

Veja como treinam os samurais e os ninjas

O defensor público Leonardo Meriguetti é fundador e coordenador da unidade do Instituto Niten da Taquara, inaugurada há um ano. Ele acrescenta que os samurais seguiam um rígido código de honra, que incluía o haraquiri, o ritual de suicídio em caso de desonra ? que poderia ser até uma derrota em batalha. Atualmente, explica Meriguetti, os guerreiros do Niten também seguem um código de honra, mas o haraquiri ficou no passado.

? Não nos limitamos à técnica. Fazemos o caminho do guerreiro e o usamos como aprendizado e crescimento diário ? diz.

Merigueti é professor de kenjutsu, uma técnica de lutas com espadas, substituídas nos treinamentos por bambus, e que se vale de armadura para proteger o corpo contra os golpes aplicados na cabeça e no tronco. Apesar de seus 13 anos de prática, ele ainda ajuda no osoji, a preparação do dojo, que é a área de treinamento, incluindo a instalação das flâmulas que representam as virtudes do samurai e a limpeza do chão.

? Todos os ensinamentos que passamos e recebemos não são apenas para o dojo; são para a vida ? enfatiza.

Faz parte da filosofia desenvolvida pelo Niten expandir o conhecimento. Foi por isso que há um ano Meriguetti fundou a unidade da Taquara, onde ele mora, e que atualmente tem 11 alunos nas disciplinas de kenjutsu e iaijutsu (desembainhamento da espada). As aulas são às segundas-feiras, no Clube Português.

A novidade no bairro atraiu o jovem João Pedro Pastorello, de 15 anos. Fã de desenhos japoneses e de animes (como quase todos que entram neste universo), ele descobriu o instituto pela internet e viu que ?era isso o que queria?. Há dois meses, ele começou a fazer o iaijutsu.

? A gente aprende muita coisa que aplica na vida. Não é só o golpe ? afirma.

O analista de sistemas Marcelo Jesus é fã de artes marciais. É faixa preta do 4º dan no caratê e tinha vontade de praticar o kenjutsu muito antes de a unidade ser inaugurada.

? Não tinha um lugar perto da minha casa, e quando chegou, os horários de aula não se encaixavam com os meus. Como os treinos mudaram para as segundas-feiras, deu tudo certo ? diz.

Outro docente do Niten é o engenheiro mecânico Aristeu Silveira, também professor da FGV, que tem 47 anos de experiência com artes marciais. Ele é instrutor de iaijutsu, e ensina as técnicas de sacar a espada para se defender ou atacar. Mesmo antes de entrar para o Niten, considerava-se um samurai:

? Eu vivo e respiro isso.

Também faz parte dos ensinamentos do sansei Kishikawa que os mais experientes apoiem as novas unidades do Niten. É o que faz o funcionário público Marcos Gouveia, morador de Bangu, que coordena o instituto em Nova Iguaçu e, quando pode, vai a Jacarepaguá ajudar nos treinamentos. Por isso, ele também se considera um samurai.

? A gente sempre busca viver com retidão, honra e lealdade, tentando fazer o melhor em tudo ? afirma.

O BRASILEIRO ?É UM NINJA?

Na Freguesia também batem acelerados os corações apaixonados pelas antigas artes marciais japonesas. Só que lá o forte é o ninjutsu, arte desenvolvida pelos ninjas, que se tornaram célebres no Ocidente graças a filmes produzidos em Hollywood.

O especialista Pedro Erber explica que, por serem de uma classe guerreira mais popular que a dos samurais e por desenvolverem técnicas secretas, que incluíam envenenamento e ataques surpresa, existe pouca literatura sobre os ninjas, mas é possível afirmar que eles chegaram a servir de agentes secretos do governo japonês.

? O ninja tem uma grande importância no imaginário ocidental, mas não é um capítulo tão importante da história japonesa como o samurai ? afirma.

O shidoshi (uma graduação de mestre) Victor Passos, que ensina o ninjutsu na Academia Budo, diz que os ninjas também se dividiam em clãs e tinham seus códigos de honra. Como, inicialmente, não podiam portar espadas, desenvolveram armas a partir dos objetos de trabalho, como foices, lanças, pequenos pedaços de ferro ? que originaram as shuriken (estrelas) ? e zarabatanas.

? O código de honra do ninja era a sobrevivência dele e da sua família ? afirma.

As técnicas ensinadas por Passos vêm do clã Togacure Ryue foram repassadas por 34 gerações, até que, na década de 1970, o japonês Masaaki Hatsumi reuniu o conhecimento de nove antigas artes marciais de samurais e ninjas, além do budo (que usa sobretudo as mãos), na escola chamada de Bujinkan. Ele atualmente é o soke (líder) da escola no mundo.

Em Jacarepaguá, o ninjutsu é a arte mais procurada. Nas aulas, ministradas de segunda a sábado, os alunos usam roupas pretas, treinam golpes e aprendem a usar as armas, inclusive espadas afiadas, chamadas de katanas.

A estudante de Design de Moda Bruna da Motta Paiva conheceu a escola por meio do irmão, André, que pratica a modalidade há três anos. Como queria fazer uma atividade física, experimentou uma aula e há dois meses se tornou uma ninja, o que rende boas piadas no trabalho.

? Quando meus amigos descobrem, me zoam bastante. Dizem: ?Cuidado que ela é ninja” ? afirma.

A moradora da Freguesia Isabel Beutner descobriu a escola há dois anos e levou os dois filhos, Miguel e Débora. Por já ter feito kung fu e tai chi chuan, ficou tentada ao ver um panfleto sobre o ninjutsu. Chegou com 96 quilos e diabetes. De lá para cá, fez uma cirurgia bariátrica e não abandonou os treinos. Além de melhorar o condicionamento físico, está hoje com 56 quilos.

? Não tenho problemas para treinar. Enfrento uma dificuldade ou outra com os rolamentos, mas com um pouco de paciência consigo fazer todos os exercícios ? explica.

Como o Niten, a Academia Budo ensina a filosofia das artes marciais. Victor Passos explica que a tradução de ninja é ?a pessoa que persevera?.

? Ser ninja é se adaptar às necessidades da sua vida, perseverar quando tudo for por água abaixo e sobreviver. O brasileiro é um ninja ? enfatiza.

INFOCHPDPICT000059501478Entre os ensinamentos está o de só usar as técnicas, muitas delas mortais, em caso de risco de morte.

? Uma única vez eu precisei usar o conhecimento da prática. Estava no Centro, à noite, e um pivete se aproximou com uma faca. Pediu minha carteira e entreguei. Acho que, porque ele franziu a testa, percebi que ele iria me atacar. Desviei do golpe, peguei no seu braço, derrubei-o e dei-lhe um chute na cabeça. Quando vi que outro vinha por trás, peguei a faca e o ameacei, até que fugisse. Deixei o cara no chão e fui chamar a polícia, mas ele se foi. Eu sempre digo para os meus alunos que só fiz isso porque senti que minha vida corria risco. Se fosse só pelos bens materiais, não teria reagido ? garante.

Perceber o sentimento de raiva que Passos detectou no ladrão, garante o sansei, faz parte do treinamento e do exame para se tornar shidoshi. A tarefa parece simples: o aluno se ajoelha de costas para o mestre, que, com uma espada de bambu, aplica-lhe um golpe na cabeça sem aviso algum. Se o aluno desviar, ele é aprovado:

? Tem que estar muito concentrado para perceber a raiva e sair no momento em que o golpe vai ser aplicado. Não pode ser antes nem depois. E o exame para o grau mais alto é o inverso. É o aprendiz que aplica o golpe. Ele tem que botar toda a sua raiva (no movimento), para que a outra pessoa perceba.