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A meritocracia está fora de moda? Entenda por que muitas pessoas acreditam que sim

A ideia da meritocracia parece ter ganhado espaço no imaginário dos brasileiros nos últimos anos

Ilustração
Ilustração

Fica difícil acreditar que as pessoas conseguem alcançar seus objetivos por mérito próprio em meio a uma realidade de tamanha desigualdade

A ideia da meritocracia parece ter ganhado espaço no imaginário dos brasileiros nos últimos anos. Ao mesmo tempo, há problemas que envolvem a questão, exatamente por conta da realidade em que vivemos.

Quando se pensa em meritocracia, basicamente, estamos dizendo que as pessoas têm aquilo que merece. Nesse sentido, os melhores ficarão com o melhor; os piores, com o pior. Em uma governança corporativa, por exemplo, o melhor currículo, com certeza, terá mais oportunidades de trabalho.

Só que quando se faz essa divisão entre melhores e piores, deixa-se de lado um problema enraizado em nossa sociedade: a desigualdade social.

Meritocracia

Meritocracia é a união da palavra latina meritum, que significa mérito, com o sufixo grego cracía, poder, em português. Ou seja, o sucesso de cada um é determinado exclusivamente pelo seu próprio esforço. Em parte, essa ideia faz sentido, afinal de contas, é preciso que nos esforcemos para alcançar nossos objetivos.

Só que basta observar algumas situações para perceber que a meritocracia exclui várias pessoas, ao afirmar que tudo depende do esforço pessoal.

Será que é possível colocar um patrão e um empregado em pé de igualdade? Os dois não trabalham e se esforçam pelo melhor da empresa? Então, por que o empregado ganha tão pouco em relação ao patrão? Será que o esforço dele é realmente menor?

Desigualdade social

A ideia de meritocracia começa a se ruir na medida em que problemas sociais muito graves, como a desigualdade, tornam-se visíveis.

Desigualdades étnicas, de classe econômica, de sexo e de gênero, por exemplo, podem acabar por beneficiar determinados grupos em detrimento de outros.

Não é preciso ir muito longe para ver as várias pesquisas que mostram que o percentual de mulheres na faculdade é maior que o dos homens, mas, ao mesmo tempo, ainda são eles que ocupam os melhores cargos e, na maioria das vezes, recebem mais, mesmo quando executam as mesmas tarefas que suas colegas.

Em relação à questão racial, basta observar que o índice de violência contra pessoas negras e pardas é muito maior, se comparado ao contra as pessoas brancas. Estas últimas, por sua vez, estão presentes, em sua maioria, nas melhores escolas e universidades, bem como nos melhores postos de trabalho.

Enquanto isso, há também a discriminação relacionada à sexualidade e à identidade de gênero de algumas pessoas, e, assim como no caso dos negros e pardos, a população LGBTQI+ também sofre com a violência própria do preconceito e da falta de respeito com a diferença do outro.

Nesse sentido, como podemos achar possível que um sistema meritocrático seja válido? Como é possível que várias pessoas, que estão em níveis diferentes da sociedade, com mais ou menos vantagens que outras, possam ter a mesma velocidade nessa corrida pelo sucesso?

Mito da meritocracia

Entender, portanto, que a meritocracia está cada vez mais fora de moda é algo bem necessário, senão vital para a nossa atual sociedade. Por outro lado, enxergá-la como um mito também é um caminho bem interessante, inclusive para o mundo empresarial.

Em 2016, o economista norte-americano Robert H. Frank, professor da Universidade Cornell, lançou o livro Success and Luck: Good Fortune and the Myth of Meritocracy (Sucesso e Sorte: A Boa Sorte e o Mito da Meritocracia).

Em um dos seus relatos, Frank conta sobre uma viagem para o Nepal, a fim da realização de um trabalho voluntário. Lá, ele contratou um jovem de um vilarejo do Butão para ser cozinheiro. “Ele continua sendo uma das pessoas mais trabalhadoras e talentosas que eu já conheci, e, ao mesmo tempo, sabia lidar com as pessoas”, escreve.

Mas, mesmo com todas essas qualidades, o jovem cozinheiro nunca tinha recebido um salário maior que aquele. “Se ele tivesse crescido em outras condições ou em um país mais rico, teria alcançado maior prosperidade e sucesso material?”, indaga o economista.

Para Sidney Chalhoub, pesquisador brasileiro e professor de história na Universidade Harvard, a meritocracia é, de fato, um mito. “Ela só faria sentido se a sociedade promovesse igualdade de oportunidades educacionais, econômicas e sociais”, explica.

“Não sendo esse o caso, é um jogo de cartas marcadas. Ganha quem larga na frente: os que estudaram em boas escolas e tiveram recursos para acessar livros e bens culturais”, conclui Chalhoub.

Portanto, é preciso ter um olhar mais cuidadoso antes de dizer que alguém conseguiu algo somente devido ao mérito próprio. Já que, muitas vezes, por trás desse mérito, está uma ótima estrutura familiar, social e financeira, além, é claro, de uma parcela de esforço e de sorte.

 

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