Brasil - Levantamento apresentado pela Climate Policy Initiative (CPI/PUC-Rio) e projeto Amazônia 2030, com apoio da CNM (Confederação Nacional dos Municípios), evidencia uma triste realidade enfrentada nos últimos anos pela agropecuária. As intempéries climáticas, associadas aos desmatamentos e incêndios são responsáveis por resultar em um prejuízo de pelo menos R$ 250 bilhões para o setor. Entretanto, há quem diga que essa realidade possa ser ainda mais caótica.
Somente no ano passado, os incêndios atingiram 30,8 milhões de hectares, uma alta de 79% com base no comparativo anual. Se calculada, essa perda chega a R$ 14,7 bilhões. Deste total, R$ 8 milhões envolvendo pecuária e pastagem e R$ 2,7 bilhões nas áreas de cana-de-açúcar.
“A Amazônia foi o bioma mais afetado pelos incêndios, o que foi impulsionado pelas chuvas abaixo do nível histórico. No Cerrado, 9,7 milhões de hectares foram queimados, o que significa um aumento de 47% em relação à média dos seis anos anteriores”, consta em um dos trechos do relatório. Na agropecuária como um todo, com base em dados de 2022, o estudo ressalta que apenas 13% da área agrícola do País dispunha de irrigação. “Com isso, a agricultura brasileira se torna vulnerável a alterações nos regimes de chuva. De fato, perdas significativas têm sido observadas em razão da ocorrência de seca”.
O levantamento conta também com dados importantes disponibilizados pela CNM (Confederação Nacional dos Municípios). Segundo apurado, entre os anos de 2013 e 2022, o Brasil contabilizou perdas de R$ 186 bilhões na produção agrícola e mais R$ 64 bilhões na pecuária por conta da estiagem. Para tornar esses números ainda mais estarrecedores, novos episódios de seca foram registrados nos anos de 2023 e 2024.
“RIOS VOADORES”
A Amazônia, maior floresta tropical do planeta, é mais do que um símbolo da biodiversidade mundial — é também uma engrenagem essencial do clima sul-americano. Por meio dos chamados “rios voadores”, a floresta tem a capacidade de manter úmida a atmosfera tanto dentro quanto fora de seus limites, redistribuindo a água que chega do oceano Atlântico e alimentando os regimes de chuva que irrigam amplas regiões do Brasil. No entanto, esse ciclo vital está sob ameaça crescente com o avanço do desmatamento.
De acordo com um estudo conduzido por pesquisadores do Centro de Política e Economia do Setor Público (CPI/PUC-Rio) e do projeto Amazônia 2030, a destruição da vegetação amazônica está enfraquecendo a capacidade da floresta de recarregar a atmosfera com umidade. “A perda de cobertura florestal faz com que o bioma perca a função de bombeamento natural de vapor d’água, reduzindo significativamente o volume de chuvas transportadas pelos ventos”, explica o relatório.
O fenômeno dos rios voadores é resultado de um processo complexo. A água proveniente do Atlântico chega ao continente pelas correntes de vento e, ao precipitar sobre a floresta, infiltra-se no solo, abastece rios e é parcialmente devolvida à atmosfera por meio da evapotranspiração — a soma da evaporação da água e da transpiração das plantas. Ao atravessar o dossel florestal, as massas de ar carregam essa umidade e a redistribuem em forma de chuva por grande parte do território brasileiro.
Quando esse equilíbrio é rompido, os efeitos se tornam visíveis em larga escala. A pesquisa alerta que os danos aos rios voadores têm relação direta com a seca e os incêndios que se intensificam em diversos estados. “Com menos chuva, a vegetação perde a capacidade de resistir ao fogo, tornando os ecossistemas mais vulneráveis e as queimadas mais frequentes”, observam os autores.
O impacto ultrapassa as fronteiras ambientais e chega ao coração da economia brasileira. Os rios voadores cruzam justamente as principais regiões produtoras de grãos, carne e fibras do país. “A interseção abrangente entre a trajetória dos rios voadores e as regiões da agropecuária evidencia os potenciais impactos do desmatamento sobre o setor”, alerta o estudo. Essa sobreposição é o elo que conecta a conservação da Amazônia à produtividade das lavouras de soja, milho, algodão e à pecuária no Centro-Oeste e no Sudeste.
ESTIAGEM
A dependência climática é particularmente sensível em anos de estiagem prolongada. Segundo os pesquisadores, a redução do volume de chuvas, agravada pela baixa cobertura de irrigação, tem contribuído para as perdas crescentes registradas pelo agronegócio em diferentes safras. Nas áreas mais afetadas, as quebras de produtividade não se explicam apenas por fenômenos climáticos sazonais, mas também por uma alteração estrutural do regime de chuvas.
Além de afetar a agricultura, o desmatamento reduz o fluxo de umidade que ajuda a regular as temperaturas, elevando o risco de ondas de calor extremo. Esse círculo vicioso — menos floresta, menos chuva, mais seca e mais fogo — ameaça não apenas a Amazônia, mas também a segurança hídrica e alimentar do país.
Para os especialistas, reverter essa tendência exige políticas públicas consistentes, com forte controle sobre o desmatamento ilegal, estímulo à reflorestação e adoção de práticas agrícolas sustentáveis. O relatório sugere que investimentos em tecnologias de irrigação eficiente e recuperação de áreas degradadas poderiam reduzir a vulnerabilidade do setor produtivo às oscilações climáticas.
“O futuro da agropecuária brasileira está intimamente ligado à saúde da Amazônia”, reforçam os pesquisadores do CPI/PUC-Rio e do Amazônia 2030. “Preservar a floresta não é apenas uma questão ambiental — é uma estratégia econômica essencial para garantir o equilíbrio das chuvas e a sustentabilidade da produção rural.”
Enquanto o país debate metas de crescimento e exportação, o estudo acende um alerta: sem floresta, não há chuva; sem chuva, não há agro. A manutenção dos rios voadores é, portanto, não só uma questão de preservação ambiental, mas uma condição indispensável para o futuro do agronegócio e da própria economia brasileira.