Reportagem: Juliet Manfrin
O ano de 2019 caminha para o fim e, mais uma vez, a tão esperada recuperação econômica não veio como se imaginava. Mas para um setor da indústria, a crise vem sendo sentida com menos impacto. Apesar de registrar achatamento de margens e também passar por readequação para o mercado, as cooperativas do agronegócio, sobretudo as ligadas à indústria da transformação, não tiveram queda no faturamento desde o acirramento da crise econômica em 2015.
Aliás, o que se vê é um aumento surpreendente das receitas totais de 68% de 2015 a 2018, considerando as 13 maiores do setor no Paraná. As receitas coletivas em 2015 foram de pouco mais de R$ 32,2 bilhões. No ano passado, segundo seus balanços anuais, foram quase R$ 57,4 bilhões. Se as tendências se confirmarem com a expectativa de crescimento na casa dos 10% em 2019, a promessa é movimentar quase R$ 63 bilhões. Sabe o que isso significa? Que, mesmo em crise, elas quase dobrarão suas receitas em apenas cinco anos.
De olho nos números
Os dados dizem mais. Os anos seguintes ao início da recessão também foram de evolução para o setor. Em 2016, ano em que o Paraná mais registrou desemprego, com quase 60 mil postos fechados segundo o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), o faturamento dessas plantas superou os R$ 45,7 bilhões e em 2017 foram R$ 48,1 bilhões considerando apenas as maiores.
Ampliando para toda a cadeia cooperativa no Estado, onde há 104 mil empregos diretos, sendo mais de 80 mil deles somente na agroindústria, ela faz a economia de suas cidades e regiões girar de forma mais equilibrada. Isso porque, para cada emprego direto, existem outros três indiretos. Mas qual é o segredo? Quem está no meio garante: o autofortalecimento.
A organização que dá certo
O segmento é organizado e, apesar dos gargalos, nos últimos anos vem ampliando sua participação na balança comercial brasileira. Nos municípios onde essas cooperativas estão sediadas, as exportações totalizaram ano passado US$ 4,3 bilhões, com destaque às proteínas animais, principalmente aves e suínos.
Neste ano, de janeiro a agosto, segundo a Secretaria de Comércio Exterior, foram quase US$ 3,8 bilhões.
Somado a isso, claro, está o mercado nacional abastecido por elas de uma ponta a outra. Assim, essas indústrias deixam o contexto local e se tornam globais, mesmo com as limitações logísticas e de mercado.
“No oeste do Paraná, onde estão 5 das 10 principais cooperativas agrícolas do Brasil, os desafios são tantos. Temos inúmeros problemas com a logística, um pedágio caro e sempre que me perguntam por que elas cresceram tanto, respondo que elas só nasceram porque foi a população que mora aqui que as fundou. Um investidor não viria de fora para aplicar seus recursos com tantos problemas de infraestrutura. As pessoas acreditam nas cooperativas e é uma forma de todos crescerem juntos”, reforça o presidente do POD (Programa Oeste em Desenvolvimento), Danilo Vendruscullo.
“Elas só nasceram porque foi a população que mora aqui que as fundou”
Danilo Vendruscullo, presidente do POD
Nascidas de sua gente
Pratas de casa, essas indústrias estão efetivamente presentes no desenvolvimento de suas microrregiões. “Além dos empregos diretos e tantos outros indiretos, para a indústria se desenvolver é preciso matéria-prima que sai do campo, então é o leite, o frango, o suíno, uma cadeia que de autossustentação e de desenvolvimento contínuo”, afirma o superintendente do Sistema Ocepar, Robson Mafioletti.
Além das pessoas, o que de mais importante aparece neste ciclo é a modernização e as metas que são ousadas. Para o ano que vem as 215 cooperativas do Paraná – considerando todas e de todos os setores – pretendem alcançar a marca de R$ 100 bilhões de faturamento, o chamado PRC 100 (Paraná Competitivo 100). Nessa lista, 62 são voltadas ao agro, que respondem por cerca de 80% do faturamento. A boa notícia é que a meta está próxima de ser alcançada. Neste ano, os balanços deverão fechar já em R$ 88 bilhões. “Devemos chegar aos R$ 100 bilhões na metade, no máximo até o fim do próximo ano e depois disso, quem sabe, virá a meta de R$ 200 bilhões. É ousada, mas é possível”, reforça.
A vida em cooperação conta hoje com mais de 2,1 milhões de pessoas no Estado, 170 mil deles ligados à agricultura e à pecuária, mas a estimativa do segmento é que um em cada dois habitantes – cerca de 6 milhões de pessoas – tem sua vida impactada pelo cooperativismo todos os dias nos 399 municípios paranaenses.
A ‘re’evolução industrial
Depois das pessoas, é a tecnologia que faz a diferença no avanço dessas plantas. O conceito de indústria 4.0 está imbuído nos modelos das cooperativas do agro com equipamentos cada vez mais modernos e tecnologia embarcada em tudo.
Mas como pensar nessa indústria do futuro, se falta o básico para o presente? Os exemplos surgem às pencas. O presidente do Sistema Fiep (Federação das Indústrias do Estado do Paraná), Edson Campagnolo, reconhece que entraves como a falta de energia elétrica são inadmissíveis. Sim! O essencial para o funcionamento de toda a cadeia, mesmo sendo o Paraná a casa da maior usina hidrelétrica do mundo em produção de energia: a Itaipu. E olha que os apagões não são raros.
Os baixos investimentos da Copel no Paraná nos últimos anos com a estrutura básica e manutenção vem provocando desligamentos em série e picos constantes.
Entre os exemplos de como isso pode ser nocivo e preocupante está apenas um dos diversos episódios registrados na propriedade de Paulo Sérgio Grigoletto, no interior de Cascavel. Na virada do ano 2018 para o ano de 2019, faltou luz por 36 horas. Mil litros de leite foram jogados fora e, com eles, o lucro dos meses seguintes. “Em uma cultura em que o lucro se faz por centavos, jogar todo esse leite fora é jogar o nosso rendimento pelo ralo e isso ocorre com frequência. Para evitar novas situações como essa, fui obrigado a comprar um gerador”, desabafou.
O motivo das quedas? Inexistência de rede trifásica e de manutenção como podas de árvores.
“Esse é um ponto crucial. Temos as indústrias, as pessoas capacitadas, mas não temos o básico que dificulta o funcionamento das máquinas, coloca em risco a produção dentro dos aviários e dos chiqueiros, é o leite que se perde sem refrigeração. Mas tenho certeza de que o Estado vai rever isso”, destacou Edson Campagnolo.
Mudanças a caminho
O Estado do Paraná tem trabalhado para iniciar uma mudança na infraestrutura básica. Em maio de 2019, após receber inúmeras reclamações e pedidos de melhoramento no sistema de distribuição e manutenção da rede de energia, o governador Carlos Massa Ratinho Junior anunciou investimentos para este e para o próximo ano de R$ 1,8 bilhão.
Era o fôlego que essas indústrias precisavam. “As máquinas e os equipamentos são caros e muitas vezes não suportam tantos picos de energia, e acabam queimando. É uma linha de produção que para, tudo trava…”, conta o CEO da Cooperativa Frimesa com sede em Medianeira, Elias Zydek.
Aliás, Zydek é categórico: os problemas ocasionados com as quedas e a falta de energia elétrica, as deficiências de infraestrutura e a falta de conectividade travam a indústria e o setor produtivo por todo o interior do Paraná. Se isso jogasse a favor, segundo ele, os resultados seriam ainda mais surpreendentes.
A falta de conectividade está onde a matéria-prima da indústria é produzida: no campo. “As máquinas e os implementos chegam com a melhor tecnologia possível embarcada, são excelentes, custam muito caro, geralmente são importados, mas no meio da lavoura a indústria 4.0 falha por falta de conexão com a internet. Não se pode gerar dados e trabalhar com eles online. Isso não pode mais acontecer”, afiança.
A resposta para isso vem do coordenador-geral de Articulação para Inovação do Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), Benedito João Gai Neto. Ele reforça que os apagões logísticos e de infraestrutura representam a trava para toda a economia, com resultados diretos dentro das plantas industriais.
Segundo ele, o governo federal está amplamente focado em minimizar a falta de conectividade desde o campo até a indústria, com a promessa de que, a partir de 2020, o problema será suavizado. “A proposta é levar conectividade e infraestrutura para todos os cantos do Brasil e, mesmo com todas as deficiências vividas pelo Estado, aqui estão as referências da indústria do agronegócio brasileiro, com valor agregado, emprego, renda e desenvolvimento”, elogiou.
“As máquinas e implementos chegam com a melhor tecnologia possível embarcada, são excelentes, custam muito caro, geralmente são importados, mas no meio da lavoura a indústria 4.0 falha”
Elias Zydek, CEO da Cooperativa Frimesa
No futuro…
E os entraves estão sendo transformados em molas propulsoras. Para as plantas industriais cooperativas, isso vem sendo firmado em cinco pilares: financeiro, mercado, cooperação, infraestrutura e governança e gestão. Quem está no meio garante: se seguir à risca cada um deles, os R$ 200 bilhões podem estar ainda mais próximos.