Bares e boates, prostíbulos, orgias clandestinas e amantes de aluguel. Depois das missas nas várias igrejas de Roma, milhares de curas da cidade desfrutam da noite gay da capital italiana. É o que afirma o jornalista francês Frédéric Martel no livro “In the Closet of the Vatican: Power, Homosexuality, Hypocrisy” (“No Armário do Vaticano: Poder, Homossexualidade, Hipocrisia”, sem tradução para o português).
A obra chegou às livrarias europeias e dos Estados Unidos em fevereiro — mês em que os principais líderes católicos se reuniram no Vaticano para discutir uma estratégia de frear os abusos sexuais de menores em igrejas do mundo todo.
“O livro é resultado de uma investigação que fiz durante mais de quatro anos, para a qual viajei por vários países e entrevistei a dezenas e dezenas de cardeais, bispos, sacerdotes, seminaristas e pessoas próximas ao Vaticano”, disse ele à rede britânica BBC. A ideia, de acordo com a edição da obra, é denunciar a “hipocrisia” dentro do catolicismo — que condena há séculos a homossexualidade.
Martel afirmou que, por condições históricas e sociais, o sacerdócio foi um escape para jovens que eram reclusos em suas cidades por suas orientações sexuais e, assim, a igreja acabou se tornando uma instituição formada majoritariamente por homossexuais.
“À medida em que fui avançando na investigação, descobri que o Vaticano é uma organização gay ao mais alto nível, uma estrutura formada em grande medida por homossexuais que durante o dia reprimem sua sexualidade e a dos outros, mas que, à noite, em muitos casos, colocam vestidos, pegam um táxi e vão para bares gays”, alegou o escritor.
Uma de suas fontes afirmou que 80% dos curas do Vaticano são homossexuais. Martel, porém, disse que um dos fatos que mais chamaram sua atenção foi a “banalidade da vida gay” para milhares de sacerdotes, que “vivem fechados no ‘armário’ por uma organização e que estão presos nesse sistema”, mas que desfrutam, por sua vez, de tudo o que criticam nos altares.
O Vaticano não respondeu oficialmente ao livro de Martel. O teólogo jesuíta e gay britânico James Martin disse ao jornal The Guardian que, se por um lado a pesquisa de Martel tem envergadura, por outro é possível questionar o método que o jornalista usar para verificar os dados e os relatos. “Ele fez uma investigação impressionante para seu novo livro e oferece algumas ideias importantes sobre a hipocrisia e a homofobia na igreja”, começou.
“No entanto, essas ideias estão enterradas em uma avalanche de fofocas e insinuações que sobrecarregam o texto e fazem com que seja difícil discernir o que é fato e o que é ficção”, completou.
Outros críticos foram mais longe: afirmaram que o texto não tem rigor, que as provas são fracas, que os dados não estão corretos e que o tom do livro é menos sério do que deveria diante do assunto e da denúncia.
Na metade de fevereiro, mais de 190 cardeais, bispos e outras autoridades da Igreja Católica se reuniram no Vaticano para encontrar estratégias diante da crise que assola a instituição, acossada por denúncias de abuso sexual contra sacerdotes em vários países do mundo.
Dentro do setor direitista da igreja, uma das das acusações mais frequentes é vincular a ocorrência dos casos com a homossexualidade dos curas. Cardeais dos Estados Unidos e da Alemanha enviaram uma dura carta ao Papa Francisco, no início do mês, pedindo o fim da “praga da agenda homossexual”, pedindo que os bispos rompam com a cumplicidade diante dos abusos.
Martel, por sua vez, afirma que quem se reconhece como gay dentro da igreja, não enfrenta o problema de sua opção sexual, que é tratado como um assunto privado, mas sim a “dupla moral” da instituição com a sexualidade. “O abuso sexual não está relacionado com a homossexualidade: pode ocorrer dentro de famílias heterossexuais e a maioria das vítimas no mundo são mulheres. Agora, se olharmos para dentro das portas da igreja, a maioria das vítimas são curas homossexuais”, denuncia.
Para ele, há uma “cultura do segredo” dentro da igreja que faz com que os casos sejam encobertos. “Acontece que, como muitos bispos são gays, eles temem o escândalo, os meios de imprensa e, ao final, eles mesmos. Então, protegem os abusadores, não pelo fato de encobrir o abuso, mas para que não se saiba que eles mesmos são homossexuais. Não estão apenas protegendo os abusadores, mas a si mesmos”.
O livro, porém, não se reduz ao Vaticano, mas a vários países da América Latina: segundo o escritor, Argentina, México, Cuba, Chile e Colômbia também possuem características parecidas das denunciadas na Europa. Martel também contou que percebeu um fator comum nesses países: uma insólita relação entre a cúpula religiosa e a militar.
“Na maioria dos casos, existia uma cumplicidade entre a igreja e os governos ou forças que faziam com que se encobrisse a homossexualidade e os abusos dos sacerdotes nesses países”, finalizou.