“Tenho 54 anos. Graduei-me no Conservatorio G. Verdi, em Turim (Itália), e me especializei em música medieval. Toco harpa celta. Tenho nove discos e escrevi livros sobre o instrumento. Desde os anos 90, já fiz mais de 500 concertos. Em 1995, fundei o grupo Tùatha Dé Danann, que pesquisa música celta antiga e faz performances históricas.”
Conte algo que não sei.
Até hoje, músicos tradicionais irlandeses dizem que a música criada lá não é para humanos e, sim, para fadas. Eles compõem essas músicas, as executam, mas não são músicas humanas. Às vezes, eu me apresento por lá e as pessoas vêm me elogiar, dizendo: “Nossa, você é bom! Dá para ver isso porque as fadas estão felizes.” A lenda ainda vive lá.
Quais as diferenças entre a harpa celta e a usada em concertos de música clássica?
A celta é a mais antiga e remete ao século XVI. A primeira diferença é que ela é pequena. A harpa moderna é muito grande e pesada. Além disso, o som da celta é muito, muito mágico, enquanto a moderna parece mais estridente. A que eu toco é um instrumento criado na Irlanda e na Escócia há muitos anos, e as músicas que compõem meu repertório são inspiradas naquelas tocadas àquela época.
Há uma outra variação, criada no Paraguai, certo? Como ela se difere das demais?
A diferença está mais na técnica de tocar do que exatamente na parte física. O músico a dedilha com menos força. Ela é usada na música popular tradicional do Paraguai, e, assim como a celta, está por aí há muitos séculos, enquanto a harpa moderna data de cerca de 300 anos.
O que tanto o fascinou neste instrumento?
Difícil responder em inglês (ri e pede ajuda à francesa Anne Gaelle, parceira em turnês recentes). Foi uma revolução na minha vida. Por muitos anos, toquei órgão e conduzi orquestras na Itália, mas o mundo da música clássica era pesado, restrito, um universo muito competitivo e político. Em música tradicional, não existe isso. Você tem que ser capaz de fazer parcerias. Um dia, há muito tempo, eu estava realmente cansado desse mundo da música clássica. Eu estudava Antropologia e me especializei no lado místico da tradição celta e irlandesa. E, por isso, conheci melhor a harpa. Ali eu tive uma espécie de visão e percebi que aquela era minha vida e aquele era meu instrumento. Depois, fui para a Escócia estudar melhor a harpa. E a cena da música tradicional tem crescido cada vez mais.
Você costuma contar histórias sobre as origens das músicas que toca. Você faz uma pesquisa enquanto compõe?
Temos uma bagagem extensa de estudos, e é esse o material que usamos nos shows. Quando a gente compõe ou rearranja uma melodia, também é uma forma de contar uma história, ou de mantê-la viva. As pessoas ficam felizes quando contamos histórias. Mas a gente não entra muito na coisa “Game of thrones”, mágica, da vida medieval. Falamos da vida real. Mas há fantasia na vida real.
A harpa pode ser pop?
Lógico! Popular e pop, no fim, são a mesma coisa. Hoje, as pessoas procuram melodias que as ajudem a relaxar, porque a vida pós-moderna é muito intensa. Elas querem que o tempo pare. E a harpa é um remédio para os dias de hoje.
Vertentes da cultura celta associam a harpa a um instrumento medicinal, certo?
Na cultura medieval, o som da harpa é o som místico. Em muitas sociedades, era usada como remédio mesmo. A harpa era a protagonista em tratamentos, e o harpista estava na classe mais alta da sociedade. E hoje é renegado. Na Irlanda antiga, o harpista tinha o poder de fala antes mesmo do rei. Bebia vinho e só então o rei podia beber também. É um exemplo da importância do instrumento para a cultura celta. Outros instrumentos são sentidos na pele, no coração, mas a harpa toca na alma.