SÃO PAULO – Há pouco mais de um ano, o juiz Marcos Josegrei da Silva, da 14ª Vara Federal em Curitiba, autorizou a realização de escutas telefônicas envolvendo fiscais suspeitos de corrupção e produtores de carne. Por dez meses, acompanhou cada gravação destacada pelos investigadores para dar continuidade às investigações, parte delas tornadas públicas, parte ainda em sigilo.
Do que sabe até agora sobre o tema, ele conclui: não há motivos para acreditar que a cadeia de carne no Brasil esteja comprometida, nem para as pessoas terem medo de comê-la. Segundo o juiz, indícios de problemas se restringem a embutidos de empresas específicas, e não na carne in natura para consumo. Investigações sobre a possível colocação de produtos adulterados no mercado ainda estão em curso.
No momento em que a operação Carne Fraca sofre ataques do setor agropecuário e de autoridades federais, o magistrado ressalta a importância da ação por ela ter revelado ?indícios de condutas delituosas? de servidores públicos em posições-chave. E também de fiscais suspeitos de praticar ?crimes de corrupção, extorsão, advocacia administrativa, entre outros?.
? Nessa área, onde há pessoas dispostas a receber dinheiro indevidamente, há quem se disponha a pagar, seja porque lhe é imposto assim agir, seja para desfrutar de facilidades ? disse o juiz nesta terça-feira, em entrevista exclusiva ao GLOBO.
Para Josegrei, tão importante quanto a pujança da economia brasileira é ?que os valores da ética, da honestidade e do cumprimento das leis seja observado por todos?, ?da pessoa mais humilde até o conglomerado empresarial mais poderoso?.
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Como o senhor recebeu as críticas à operação?
É importante dizer que nem a Polícia Federal, nem a Justiça Federal são auditores do sistema de produção e distribuição de carne e produtos derivados. Há procedimentos e padrões específicos adotados pela administração pública para realizar esse trabalho.
Qual era, então, o objetivo?
Neste caso, o que se busca é a apuração da conduta de um grupo de fiscais e de representantes de certas empresas em vista dos quais houve indícios da prática de delitos contra a administração pública. Se, como consequência disso, for demonstrado que eles permitiram a colocação no mercado de produtos adulterados, deverão ser chamados pela autoridade policial também a se explicar pela prática de crime contra a saúde pública.
O sistema de fiscalização está corrompido?
Não é função da Justiça Federal realizar auditoria sobre o sistema como um todo. As medidas cautelares (cumpridas na última sexta-feira) dizem respeito a ações no contexto de uma operação para esclarecer ações delituosas que teriam sido cometidas por pessoas identificadas em estágios anteriores do trabalho investigativo. São necessárias para possibilitar a obtenção de provas, ao mesmo tempo em que se evita que elas possam vir a ser ocultadas ou destruídas. Para serem deferidas medidas desse porte, é natural que já tenham sido delineados indícios de condutas delituosas de representantes das empresas, bem como de servidores exercendo posições-chave no MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), notadamente no Paraná e, em escala menor, em Goiás e Minas Gerais.
Mas o que eles fizeram?
Há indícios da ocorrência de atitudes desviadas dos parâmetros éticos e legais esperados de servidores públicos e de representantes de empresas, com grande chance de repercussão criminal dessas condutas. Não se trata de condenação prévia de pessoas ou de empresas, menos ainda da cadeia produtiva e seu sistema regulatório/fiscalizatório. O procedimento deve seguir o seu curso, primeiro na fase investigatória e, posteriormente, se for o caso, no processo penal, até julgamento em instância final.
Afinal, a cadeia de carne no país está comprometida?
Não tenho pretensão nem subsídios para avaliar a cadeia de produção, comercialização e exportação de carne no país como um todo. A investigação revelou indícios das irregularidades que estão citadas ao longo da decisão que justificou as medidas. O despacho tem cerca de 400 páginas. O fato é que há fiscais do MAPA que, ao que tudo indica, praticavam crimes de corrupção, extorsão, advocacia administrativa, dentre outros. Nessa área, onde há pessoas dispostas a receber dinheiro indevidamente, há quem se disponha a pagar, seja porque lhe é imposto assim agir, seja para desfrutar de facilidades. É preciso salientar também que, em dois anos de investigação, o número de fiscais suspeitos é relativamente pequeno em vista do quadro geral de servidores daquele órgão.
As pessoas devem ter medo de comer carne?
Analisei o procedimento ouvindo centenas de horas de gravações produzidas com autorização judicial e lendo documentos. Ainda há procedimentos acobertados pelo sigilo. Com isso em vista, não posso afirmar que o consumo de carne ou derivados seja inseguro. Mesmo porque atuo em um caso concreto, e a investigação não se destinou a examinar o sistema integralmente. No caso ora investigado, a maior parte dos indícios de irregularidades – veja bem, indícios, porque a apuração segue em curso – ocorria em embutidos e não na carne in natura para consumo. Posso dizer que não pretendo deixar de comer carne.
O senhor acredita que a divulgação da operação pela PF foi exagerada?
Uma investigação desse porte e com esse objetivo desperta naturalmente o interesse da população e da imprensa. Não há como se guardar segredo quando se mobilizam tantos policiais e quando se lida com um tema tão sensível. A PF, como de praxe, concedeu uma entrevista coletiva em que expôs a natureza da investigação, sua extensão e a sua finalidade. As pessoas e empresas mencionadas pela autoridade policial constam, de fato, na investigação e na decisão judicial que deferiu as medidas.
A PF errou ao dizer que se misturava papelão em carne?
Esse diálogo não foi mencionado nem utilizado em momento algum pelo Juízo como fundamento para as decretações das medidas pleiteadas pela autoridade policial.
Qual a resposta do senhor aos que criticam a operação pelos seus prejuízos à economia?
Todos vivemos na mesma sociedade. Todos nos beneficiaremos com o pleno crescimento da economia nacional. Tão importante quanto isso é que os valores da ética, da honestidade e do cumprimento das leis sejam observados por todos os brasileiros. Da pessoa mais humilde até o conglomerado empresarial mais poderoso. Penso que o desenvolvimento econômico deve respeitar o meio ambiente, a ética concorrencial, a moralidade administrativa, a saúde e o bem estar de todos.