
? Como escritora, sempre fiquei afastada desse assunto e me questionei o porquê. Eu estava com medo. Com medo das pessoas dizerem que eu não poderia falar sobre isso. E, francamente, é uma bobagem. Na maior parte das narrativas sobre o casamento não há sexo. E por muitos séculos, até hoje, sexo é uma das razões fundamentais para se casar. No livro, muitas vezes os personagens não conseguem expressar suas emoções através das palavras e o fazem através dos seus corpos ? diz a escritora, em entrevista por Skype de sua casa em Gainesville, na Flórida. ? Dependendo do leitor eu acho que posso ter mais ou menos sucesso, mas, honestamente, eu prefiro ver mais sexo em romances e não menos.
O livro é dividido em duas partes. Em ?Destinos?, quem conduz a narrativa é Lotto. Herdeiro de uma fortuna, dono de um carisma fora do comum e um sucesso avassalador com as mulheres, ele nunca precisa se esforçar para conseguir o que quer. Sua carreira de conquistador acaba ao avistar Mathilde numa festa, por quem se apaixona e com quem se casa semanas depois, escondido da família. Por quase 200 páginas, a mulher vive à sombra do marido.
Na segunda parte, intitulada ?Fúrias?, é Mathilde que conduz a história, pragmática e vingativa. Os 24 anos de casamento ganham outra perspectiva na sua voz, e surgem revelações. Lotto nunca se perguntou quem Mathilde era, nunca quis saber sobre o seu passado. A esposa doce e obediente, compreende-se então, era uma construção sua. O que não os impediu de se amarem por mais de duas décadas.
As ambiguidades do casamento, os papéis que homem e mulher assumem na relação e as regras invisíveis que atravessam essa instituição fascinam Lauren e a levaram a escrever.

NARRATIVA EM TRÊS DIMENSÕES
Lauren reconhece que o teatro é uma influência importante de ?Destinos e fúrias?. Lotto é ator e, após uma trajetória de mais baixos do que altos, descobre-se, ou melhor, é descoberto por Mathilde como um dramaturgo talentoso. Ao longo da narrativa, volta e meia o leitor é surpreendido por comentários entre colchetes que, explica a autora, fazem a função do coro das tragédias gregas. Em outros momentos, personagens secundários irrompem trazendo novas perspectivas sobre o casal. Os dois elementos formam, assim, uma terceira dimensão da narrativa e do casamento de Lotto e Mathilde.
? Um casamento não é só intimidade, não acontece apenas no espaço entre duas pessoas. É também uma performance na frente de outras. Você vai a uma festa, vê um casal. O fato deles estarem juntos se torna a única ideia de quem eles são. Eu queria ter certeza que as diferentes ideias sobre o que era o casamento de Lotto e Mathilde estivessem refletidas na narrativa. Eu tenho uma alergia à simplicidade. Acredito que as coisas são incrivelmente complexas e complicadas. Há muita beleza na ambiguidade.
Uma das chaves para compreender o sucesso do romance nos Estados Unidos e a escolha do presidente Obama é a sua reflexão sobre o privilégio: como a trajetória de um indivíduo é afetada pelas condições em que nasceu e cresceu. Para a escritora, isso está longe de ser um consenso, principalmente no Sul do país. E Lauren inclui aí a Flórida, estado onde mora há dez anos e se sente um tanto deslocada.
? O Sul dos Estados Unidos é religioso e conservador e eu não sou. As regras de gênero são rígidas. Mulheres só fazem algumas coisas e não podem expressar sua raiva em público, por exemplo. E eu faço isso. Na academia onde vou três vezes por semana, há um grupo de homens de 70 anos, todos ricos, que acham que chegaram nessa posição porque são inteligentes, determinados e disciplinados. Eu olho para eles e penso: ?Não!?. Há muitos privilégios invisíveis. O presidente Obama entende o que é isso. Ele é um homem negro nos Estados Unidos e isso é muito difícil.