Cotidiano

Mercadão de Madureira gera novos empreendedores

2016 907633429-201605070003315335.jpg_20160507.jpgRIO ? Cerca de duas vezes por semana o ritual se repete: André Balbino inicia as compras por papelarias, de onde sai com um carregamento de bonecas peladas ? até cem, quando trata-se de encomendas de fim de ano. Alguns passos adiante, ele para em pelo menos mais seis lojas até conseguir todas as peças requisitadas por sua mulher, Katia Maria Antônio. Pedras, palha, copinhos e cola são necessários para ornamentá-las artesanalmente. Num intervalo de uma semana, com criações prontas para a vitrine, o então cliente volta ao local como fornecedor, negociando seus produtos em lojas de artigos religiosos, que os revendem. E, claro, aproveita a viagem, do Lote XV, em Belford Roxo, a Madureira, para levar mais peças.

É por meio de engrenagens cíclicas como essa, espécie de economia autossustentável, que o tradicional Mercadão de Madureira prospera firme e incólume a crises há quase 60 anos. Nos últimos meses, sua vocação como ?atacado de pequenos volumes? vem atraindo um público de novos empreendedores, com oferta de matéria-prima acessível, gerando empregos portão afora.

Da gastronomia, artesanato, pintura ou decoração, todo segmento é considerado na tentativa de se obter uma renda extra ou formar uma nova e exclusiva fonte.

? Os comerciantes estão antenados à mudança no perfil de público. Muitos clientes conversam conosco, contando que perderam seus empregos e não sabem o que fazer, e acabam chegando a uma solução numa consultoria informal. Vários estão montando negócios dentro de casa e, apesar de levarem produtos em pequena quantidade aqui, a frequência é diária. Eles vêm para comprar e não para passear como em shopping centers ? diz Horácio Afonso, responsável pelo marketing do Mercadão e proprietário de uma loja no espaço.

Os benefícios, segundo ele, vão além do preço baixo, considerando as ofertas de linha de crédito, pagamento a prazo e até fiado em alguns lugares.

Com a mulher, Luceir Afonso, ele administra a André Afonso Papelaria e já registrou o que tem saído mais: linhas de náilon (em geral, para customização de sandálias), tecidos TNT, tintas e feltros, além das bonecas (de plástico).

Durante a semana, o horário de maior movimento é entre 10h e 17h. O mercadão chega a receber cerca de 80 mil pessoas por dia. Ao dispor dos clientes, há cerca de 600 lojas.

? Não vemos locais fechando. Quando acontece, costuma ser alguém se aposentando ou mudando de atividade, mas logo vem outro. E os negócios funcionam porque vendemos o que o cliente quer. Recentemente, muitas lojas passaram a disponibilizar fantasias, contando com a produção de costureiras independentes. É outra forma de gerar empregos.

Até a indústria corre para alcançar esse mercado:

? Desde que os artesãos começaram a customizar sandálias de borracha, com miçangas e outros enfeites, a indústria passou a criar novas estampas para não perder clientes ? conta Afonso.

FAZER BOLOS É UM BOM NEGÓCIO

2016 907633225-201605070001285327.jpg_20160506.jpgA gastronomia é uma das grandes apostas para quem está começando no universo do empreendedorismo. Além das confeitarias do Mercadão de Madureira, cujos produtos são encontrados num valor mais baixo e em quantidade superior aos vendidos no mercado comum, a loja da empresária Cristina Durans é parada previsível no roteiro daqueles que se aventuram a fazer bolos para vender. Distribuídos categoricamente em prateleiras na Tábuas de Bolo, há aros e formas redondas, retangulares e quadradas, com até cinco tamanhos e modelos diversos, do popular ao sofisticado. Tudo de fabricação própria.

? Muitos clientes me procuram dizendo que buscam uma forma ideal para o primeiro bolo que vão fazer. Geralmente é porque a família gosta e eles passam a receber encomendas. De acordo com o evento que pretendem organizar, damos as dicas sobre as melhores escolhas ? diz Cristina, que já conta com revendedores em escala nacional.

Com ex-funcionárias, hoje boleiras, a empresária mantém uma troca de divulgação das marcas ? algumas expostas num mural próximo ao balcão ?, além de aproveitar para vender seus produtos para elas.

Mesmo sem ter iniciado ainda o curso de confeitaria do Senac para o qual se planeja, a aposentada Eliane Xavier, moradora de Rocha Miranda, resolveu garantir boas formas para produzir seus bolos.

? Quero fazê-los para festas de aniversário em casas. Mas, se surgirem encomendas, serão bem-vindas ? diz.

Já Rosilene Oliveira, diarista, vê na confeitaria uma oportunidade de mudar de emprego. Seus congelados já faziam sucesso em casas de famílias quando ela decidiu confeccionar bolos, daqueles feitos com pasta americana. Tudo o que aprendeu, frisa, foi graças ao Google. Ela veio de Miguel Pereira conferir os moldes da Tábuas de Bolo, pela primeira vez, recomendada por uma amiga. Sua intenção inicial era levar uma tábua quadrada, mas acabou se encantando por outra, redonda e de dois andares. Ela garante que visitará o local pelo menos um vez por mês.

? Eu tenho dois filhos e, trabalhando no Rio, ficou difícil conciliar tudo. Então, decidi mudar de ramo. Já recebo encomendas há um ano; as primeiras começaram entre meus parantes. Eu sempre fui aquela escalada para levar o bolo nas festas ? conta a empreendedora, que pretende se especializar e já recebe cerca de dez encomendas por mês.

UMA MÃO MOLHA A OUTRA

Outra veterana no Mercadão é a portuguesa Maria de Pinho Ribeiro de Souza, conhecida como Adelaide. Dona da Marvi Artigos Religiosos, ela também gera demanda para diversos artesãos. Muitos de seus fornecedores, entre eles Katia Maria Antônio, das bonecas customizadas, compram o material bruto em sua própria loja e entregam tudo pronto com o tema dos orixás. As roupas e os colares disponíveis no local também são produzidos com miçangas, pedras e tecidos vendidos no espaço.

? Comecei a fazer artesanato depois que me separei e fiquei com dois filhos pequenos. Eu já tinha habilidade e minha irmã, que vendia bebidas no Mercadão, me deu a ideia de trabalhar para lojas de artigos religiosos, numerosas no polo. É assim que até hoje sustento minha família. Não fiquei rica, mas ganho o suficiente para me manter ? diz Katia.

2016 907634316-201605070005595364.jpg_20160507.jpgOs lucros da Marvi crescem após o Sábado de Aleluia, recuperando a baixa na Quaresma.

? Sou mais varejista, mas meus clientes compram de tudo um pouco e há quem venha de três a quatro vezes por semana. Tudo depende do santo do mês. O período de Iemanjá é um dos mais movimentados em vendas ? conta a lojista.

Apostando num único produto, a Zé Botão é um mundo de fantasias.

? Nós temos mais de 12 fornecedores. E muita gente compra aqui para trabalhar com aluguel das fantasias ? diz Amanda Ladeira, uma das funcionárias da loja.

Por força de um contexto econômico que requer a contenção de gastos, neste ano em que se comemoram os 403 anos de Madureira não haverá a grande confraternização realizada a cada aniversário do bairro em parceria com a associação de moradores, conta Horácio Afonso, atuante na organização. Mas especialmente aqueles que se reinventaram com o suporte deste que é considerado o maior mercado popular do país seguem com motivos para celebrar, inclusive com dinheiro no bolso para pagar as contas do mês.