“Cresci em Le Mans, no Noroeste da França. Meu pai era operário e minha mãe, dona de casa. Sou casado e não tenho filhos. Comecei a estudar o corpo porque não me sentia bem no meu próprio corpo. Dou aula na Universidade de Estrasburgo. Vim ao Brasil pela primeira vez aos 23 anos porque queria me perder na Amazônia.”
Conte algo que não sei.
O estatuto do corpo mudou na sociedade. Hoje o corpo é percebido como um assessório da presença, é uma matéria-prima que se molda. Há, por exemplo, um movimento que refuta a ideia de gênero. É o movimento ‘Queer’. Para os adeptos desse movimento cada um pode ter o seu gênero, mesmo que ele não exista.
É um movimento que busca maior diversidade? Que foge das dualidades?
Sim, são pessoas que não se enquadram nesse padrão de opostos com o qual convivemos. O mundo hoje não é mais isso ou aquilo. Há múltiplas identidades; estamos em um mundo de ambivalência e heterogeneidade. Mas o interessante é que movimentos como esse favorecem a diversidade e, ao mesmo tempo, potencializam preconceitos. Há uma exacerbação da feminilidade e da masculinidade.
Homens e mulheres usam o corpo de forma diferente?
Sim, porque a socialização não é a mesma. A beleza e a sedução é um valor mais feminino. Há uma desigualdade (no uso do corpo) que vem da educação. As diferenças biológicas não têm relevância.
Qual o papel do corpo na linguagem?
O corpo é o nosso enraizamento no mundo. Viver é sempre jogar seu corpo no mundo: vendo, escutando, experimentando. Os gestos e mímicas, a maneira de se falar. É também o lugar das emoções, um instrumento de comunicação.
No Brasil, há uma superexposição do corpo. Sabemos lidar melhor com ele do que outras sociedades?
Sim. O Brasil tem uma cultura do litoral, do sol. E teve uma colonização portuguesa, que foi diferente da espanhola. Permitiu a miscigenação. Percebo que há um prazer de viver no seu próprio corpo. Há homens com barriga grande sem camisa, pessoas mais velhas om minissaia ou short.
Qual o lugar que ocupa o corpo em países em que se busca escondê-lo, como em muitos países muçulmanos?
É um corpo reprimido, que mantém a desigualdade entre homem e mulher. O corpo é sempre político. Tem um discurso político sobre a sociedade. O status do corpo evidencia a desigualdade de gênero e social.
Tatuagens e piercings são formas de arte ou de protesto?
Não são uma maneira de subverter os padrões sociais. São formas de personalizar, individualizar o corpo. É são também uma forma de arte.
O jovem experimenta mais o seu corpo e o colocam em situação de risco. Por quê?
O sofrimento de um jovem é um abismo, ele não consegue relativizar os fatos, como a falta do amor dos pais, abusos sofridos na infância. Um jovem não tem o sentimento de que a morte é uma tragédia irreversível. Acha que pode lidar com isso, não se vê como vulnerável, o que favorece as condutas de risco. Não só na área de saúde pública como nas atividades esportivas. Ser adolescente é experimentar a vida, para o pior ou para o melhor.
O que quer dizer com área da saúde pública?
São jovens anoréxicas, que se cortam. Elas não se enquadram em padrões sociais e usam seu corpo para forçar a passagem, para se imporem no mundo. As condutas de risco são um chamado à vida, não são tentativas de suicídio. São tentativas de viver, de chamar atenção pra si.