Cotidiano

Obra de Pallière ganha restauro de peso e puxa mostra no MNBA

RIO ? Pintor, crítico de arte e primeiro diretor brasileiro da Academia Imperial de Belas Artes, entre 1854 e 1857, Manuel de Araújo Porto-Alegre foi responsável pela modernização do ensino na instituição. Para marcar sua gestão, encomendou em 1855 ao pintor Léon Pallière, neto de Grandjean de Montigny (autor do projeto do prédio), uma grande tela para o teto da biblioteca da escola. Pallière nada cobrou pelo trabalho. Pediu apenas tela e tintas, e é fato indiscutível que precisou de muito. ?Alegoria às artes?, em que o pintor retrata as musas representantes da arquitetura, música, pintura, escultura e poesia, é uma obra de dimensão monumental: tem 2,97 m de altura por 4,10 m de largura.

É essa tela carregada de história o carro-chefe da exposição ?Alegoria às artes ? Leon Pallière?, que o Museu Nacional de Belas Artes (MNBA) inaugura hoje, como parte da celebração dos 200 anos da chegada da Missão Artística Francesa ao país. A obra integra o acervo do museu desde que ele foi criado, em 1937, e passou por um meticuloso processo de restauração, ao longo de 14 meses.

? Essa pintura estava enrolada há décadas, eu a conhecia de nome, sabia que era importante ? diz o museólogo Pedro Xexéo, curador de pintura brasileira do MNBA de 1974 a 2013 e responsável, com a historiadora Adriana Clen, pela pesquisa histórica que traçou o percurso da tela e o contexto em que foi realizada.

Além deles, assinam também a curadoria os restauradores Wallace Guiglemeti e Denise de Oliveira, da Studio Arte Restauro; e Larissa Long, restauradora do MNBA, que capitaneou todo o projeto, realizado com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento Cidades Históricas (PAC Cidades Históricas) do Iphan, no valor de R$ 600 mil.

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Com a proclamação da República, em 1889, a Academia Imperial virou, no ano seguinte, a Escola Nacional de Belas Artes. E deixou o antigo prédio de Montigny, na então Travessa do Sacramento (hoje Avenida Passos) para se instalar na novíssima Avenida Central (hoje Rio Branco). A construção da Travessa do Sacramento acabou ocupada pelo Ministério da Fazenda, até ser demolida, em 1937. Já o edifício da Avenida Central seguiu de pé e é hoje justamente a sede do Museu Nacional de Belas Artes.

? Temos uma prova cabal de que em 1922 a tela já se encontrava na Escola Nacional de Belas Artes. Em uma reportagem desse ano na revista ?Ilustração Brasileira?, Adalberto de Mattos faz referência a ela, dizendo que a encontrou ali e em bom estado ? informa Xexéo.

29 QUILOS DE ?GORDURA?

A pintura estava enrolada e guardada na reserva técnica do museu, até que, há nove anos, Xexéo pediu para vê-la. Sem recursos disponíveis para a restauração, ela seria novamente enrolada. Finalmente, em 2014, com a aprovação do projeto, submetido ao PAC Cidades Históricas, a obra pôde ser recuperada.

A licitação foi vencida pela Studio Arte Restauro, de Guiglemeti e Denise, que deram início ao processo ?aliviando o peso? das musas. Guiglemeti calcula que havia 29 quilos de argamassa presos no verso da tela.

? A obra foi feita com a técnica de maruflage ? conta ele. ? É uma pintura sobre tela, só que colada ao suporte, no caso o teto da academia. Com a sua retirada, resquícios da argamassa vieram junto, colados no verso, provocando desnivelamento na pintura. Foi o que levou mais tempo para ser feito. Não é uma coisa que você raspa e sai como uma casquinha de biscoito, tivemos que desbastá-la, trabalhando meticulosamente em pequenas áreas, como num tabuleiro de xadrez.

Jean-Leon Pallière Grandjean Ferreira (1823-1887) nasceu no Rio, mas iniciou seus estudos de arte em Paris, no ateliê de François-Edouard Picot. Aos 25 anos retornou ao Brasil, ingressando na Academia Imperial de Belas Artes. Suas pinturas, inicialmente, tinham como inspiração temas religiosos e mitológicos, como a neoclássica ?Alegoria às artes?. Mais tarde, ele realizaria diversas viagens pela América do Sul, registrando, em aquarelas e gravuras, paisagens e aspectos culturais dos países por onde passou.

CONJUNTO DESMEMBRADO

Pallière assina ainda duas outras telas na mostra inaugurada hoje: um retrato de Tintoretto e outro de Rubens, que também pertencem à coleção do MNBA e foram igualmente restaurados. Eles faziam parte de um conjunto de 14 telas que circundavam a ?Alegoria…?, retratando pintores. O conjunto está desmembrado: as outras 12 telas integram hoje o acervo do museu D. João VI, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Além das três pinturas, a mostra reúne fotos do Arquivo Noronha Santos, pertencente ao Iphan, mostrando a demolição do prédio de Grandjean de Montigny. Apenas o pórtico foi salvo, e transferido para o Jardim Botânico do Rio, onde está até hoje. Também há um desenho de Jean-Baptiste Debret do projeto original do prédio, com um só pavimento, além de documentos da época. Por fim, fotos e vídeos mostrarão detalhes do trabalho de restauração das obras.